Indígenas que participaram de manifestação do Acampamento Terra Livre, em Brasília, foram agredidos pela polícia
Por Eraldo Paulino
A marcha “A Resposta Somos Nós”, organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), nesta quinta-feira, 10/04, durante o Acampamento Terra Livre (ATL 2025), em Brasília, teve uma resposta violenta do Estado. A manifestação teve como objetivo expor para a sociedade que boa parte das soluções para a crise climática sempre estiveram presentes no modo de vida dos povos originários. No ato, representantes de mais de 200 povos reafirmaram que a relação dos indígenas com os biomas é alicerçada no Bem Viver e não na busca pelo lucro e nenhuma transição energética será justa e eficaz sem que as vozes desses povos sejam ouvidas e respeitadas. Mas a Polícia Legislativa do Congresso Nacional, quando acolheu parte dos manifestantes com bombas, também deixou nítido para os defensores da vida qual a resposta do estado para as e os indígenas.
As bombas de gás lacrimogêneo tiveram novamente um efeito imoral, por terem sido lançadas contra povos que, sabiamente, em todas as vezes que ocupam prédios públicos, em manifestações pacíficas, os desocupam com os tais intactos, ou até mais limpos do que quando entraram. Isso para cortar logo o barato da justificativa cínica do presidente do Congresso para justificar o ato. Mesmo que os indígenas quisessem mesmo entrar na casa do povo, essa entrada não causaria qualquer dano ao patrimônio ou às pessoas.
Efeito ainda mais imoral, quando constatamos que elas atingiram parlamentares eleitos. Então, a polícia legislativa disse para a sociedade: “A resposta somos nós”, para quem luta por direitos constitucionais, liberdade e justiça, e até mesmo para parlamentares para os quais são pagos para defender. Isto, pouco tempo depois de um 8 de janeiro que ainda está aqui, quando esse mesmo policiamento respondeu SIM a defensores de um golpe de estado, permitindo que entrassem e depredassem este mesmo Congresso.
Uma resposta racista foi dada à deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), quando ela chegou perto dos policiais que a atacaram gritando “Eu sou deputada”, e só a trataram como tal após conferirem o documento apresentado por uma assessora. É a mesma resposta dada, simbólica ou literalmente, a milhões de pessoas brasileiras que, mesmo quando conseguem legitimamente acesso a espaços tradicionalmente ocupados por brancos, precisam todos os dias provar que têm direito de ali estar, porque, na verdade, a presença delas e deles incomoda a quem se acostumou a enxergar a margem como o lugar dos não brancos.
A APIB repudiou os atos violência contra os indígenas. Veja aqui a nota publicada pelas lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Um desfecho violento de muitas formas para uma marcha que reunia milhares de pessoas, que, mesmo cientes de que são os verdadeiros donos de todo o território conhecido como “Brasil”, tentam conquistar e/ou manter direitos seguindo as regras criadas pelos próprios invasores de suas terras. A Agência Carta Amazônia teve o privilégio de acompanhar os momentos pré-ato, quando as ministras do meio ambiente, Marina Silva, e dos povos indígenas, Sônia Guajajara lançaram juntamente com a APIB uma Comissão Nacionalmente Determinada Indígena (NDC) e uma Comissão Internacional Indígena para a COP 30. E também acompanhou todo o ato.

Sentimos o lindo fim de tarde brasiliense, que iluminava pinturas, cocares, danças e cânticos das e dos manifestantes. Sentimos o frescor da leve chuva que abençoou a manifestação por alguns minutos, enquanto avistávamos o icônico prédio do Congresso se aproximar. Embora estivéssemos diante de guerreiras e guerreiros, nada ali dizia que um confronto pudesse acontecer. Mas a história da construção genocida de nossa nação disse muitas vezes, e gritou mais uma vez para o mundo ouvir qual a resposta do estado brasileiro para quem ameaçar os interesses dos poderosos é bélica.
O que lembra diversas falas potentes que ouvimos no ATL. Muitas delas reforçaram que vários representantes do povo gostam de se gabar pelo fato de o Brasil ter a maior floresta em pé do mundo, mas raras vezes há o reconhecimento de que o preço para isso é o sangue e as lágrimas dos indígenas. Naquele mesmo Congresso, cujo policiamento agrediu os povos originários gratuitamente, boa parte das cadeiras ali ocupadas são de representantes ou dos próprios destruidores da Amazônia e de todos os biomas brasileiros, em grande parte passando por cima das leis criadas naquele mesmo prédio. Parlamentares que deveriam estar presos, portanto, foram defendidos pela repressão policial contra quem luta para que as leis criadas naquela casa sejam respeitadas.
Ah, se a Constituição de 1988 saísse do papel com a mesma eficiência com que saíram das mãos dos policiais aquelas bombas; ah, se as vozes dos povos indígenas e de todas as comunidades tradicionais fossem mais ouvidas do que as vozes elitistas tantas vezes emanadas pelos microfones do Congresso, não é mesmo? Mas esse novo episódio da violência e do racismo estrutural no Brasil acabam reforçando o tema deste ato. A resposta sempre foi, sempre serão e são os povos indígenas.
Posicionamento do Congresso
Em nota, a assessoria de imprensa do Senado Federal afirmou que o avanço dos indígenas do Acampamento Terra Livre foi “inesperado” e, por isso, homens da polícia Legislativa precisaram “conter os manifestantes”.
“Ressaltamos que a dissuasão foi realizada exclusivamente por meios não letais e a ordem foi restabelecida”, informou a Casa em nota.
O Senado ainda afirmou que “reforça o respeito aos povos originários e a toda e qualquer manifestação pacífica”. “No entanto, é indispensável que seja respeitada a sede do Congresso Nacional e assegurada a segurança dos servidores, visitantes e parlamentares”.
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Foto de capa: Kamikia Kisedje/APIB)
Conteúdo produzido em parceria com com o Programa de Apoio ao Jornalismo (PAJor) do Repórteres Sem Fronteiras