Evento realizado de 7 a 11 de abril, em Brasília, reuniu mais de 7 mil indígenas de mais de 150 povos
Por Adison Ferreira e Eraldo Paulino
O último dia da 21ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, foi marcado pela publicação da carta “A Resposta somos Nós: Vinte anos de APIB e a Emergência Climática”. No documento, assinado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e mais sete organizações indígenas regionais, as lideranças reafirmam a importância da resistência e da luta coletiva dos povos originários e reivindicam o protagonismo nas negociações climáticas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP), realizada em novembro, em Belém.
“O Brasil, que sediará a COP30 em nossa Amazônia Indígena, ocupa um papel central na agenda climática mundial. O ano de 2024 foi o mais quente da história, com eventos extremos se tornando rotina. Não há mais tempo! A exploração de combustíveis fósseis impacta diretamente nossos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e a própria Mãe Terra. A resposta à crise climática exige uma transição energética justa e sustentável. Seguimos alertando para os impactos do petróleo, do gás, da energia nuclear e até mesmo das chamadas renováveis – eólica e solar – quando desrespeitam nossos territórios”, destaca um dos trechos da carta.
Comissão Indígena para a COP30
Como proposta para uma participação mais efetiva na Conferência do Clima, a APIB lançou a Comissão Internacional Indígena para a COP30, que será presidida pela ministra Sonia Guajajara e composta por seis organizações: APIB, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), Aliança Global de Comunidades Territoriais (GATC), Fórum Permanente da ONU sobre Assuntos Indígenas (UNPFII) o G9 da Amazônia Indígena – uma coalizão internacional formada por líderes de organizações indígenas dos nove países amazônicos
A comissão, criada conjuntamente com autoridades do governo federal, tem como função desenvolver uma metodologia para garantir o credenciamento de povos indígenas para a Conferência das Partes como prática institucionalizada para futuras COPs; assegurar que haja foco em prioridades específicas dos povos originários; conduzir reuniões regionais; e planejar e executar eventos e reuniões com Estados-partes, agências da ONU e aliados, com o objetivo de ampliar as demandas dos povos.
O anúncio da Comissão foi feito na última quinta-feira, 10/04, durante uma plenária na tenda principal do ATL e visa atender a uma demanda do movimento indígena brasileiro, que havia reivindicado a co-presidência da COP30. O evento reuniu lideranças indígenas, o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago; a diretora-executiva da COP30, Ana Toni; e as ministras Sonia Guajajara, da pasta dos Povos Indígenas; e Marina Silva, do Meio Ambiente. Também participaram da plenária as deputadas federais Célia Xakriabá (PSOL-MG) e Erika Hilton (PSOL-SP).
Ao anunciar o lançamento da Comissão Internacional Indígena, Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib, disse esperar que a COP30 seja a maior em participação indígena da história e ressaltou a importância da luta dos povos originários nas ações de enfrentamento às mudanças climáticas.
“O lançamento dessa Comissão é fruto da nossa luta, da nossa articulação e do nosso movimento conjunto da Apib, da Aliança Global (de Comunidades Territoriais) e de todos os atores que fazem parte da luta do movimento indígena. Só é possível essa articulação porque nós estamos fazendo parte desse processo de diálogo e de discussão com o governo, com os mecanismos internacionais e com outros atores para garantir a nossa presença na COP do clima e levarmos a nossa voz, as nossas demandas”, afirmou o líder indígena.
Dinamam Tuxá, coordenador Executivo da APIB, destacou que a Comissão Internacional Indígena para a COP-30 reforça o reconhecimento do movimento na luta pela defesa do equilíbrio climático. “Não há como discutir clima sem discutir demarcação de terra indígena”, ressaltou.
A APIB pretende conceder 1.000 credenciais aos representantes de povos indígenas de todo o mundo para que eles possam acessar a zona restrita de negociação na conferência
Durante o lançamento da Comissão, a ministra Sônia Guajajara destacou a força da articulação da APIB de suas regionais para garantir o protagonismo indígena na conferência do clima e citou o esforço do governo federal nessa frente.
“Essa é uma conferência global, que acontece todos os anos, e nós sempre lutamos para que os povos indígenas estivessem no centro desse debate, porque comprovadamente os territórios indígenas funcionam como grande barreira contra o avanço das monoculturas, da mineração, do garimpo e do agronegócio”.
Marina Silva reforçou o posicionamento de Guajajara sobre a participação de indígenas da COP30 e disse que o governo brasileiro está fazendo um esforço, dentro daquilo que compete a sua governabilidade de ampliar a inclusão de povos indígenas nesse processo, mas ressaltou que o Brasil não é o responsável pela gestão do evento. “É importante destacar que a COP não é do governo brasileiro. A COP é um processo das Nações Unidas. Um processo de 196 partes, onde tudo é estabelecido por consenso”, afirmou Marina Silva.
Enfrentamento ao Marco Temporal

Outros temas importantes apresentados na carta final do ATL 2025 são o enfrentamento ao Marco Temporal e o posicionamento da APIB sobre a Câmara de Conciliação do STF.
“Além da crise climática, enfrentamos ataques sistemáticos aos nossos direitos constitucionais. A Câmara de Conciliação do STF, criada sem a participação da APIB, representa o maior ataque institucional desde a promulgação da Constituição de 1988. Em vez de declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 14.701/2023, o Ministro Gilmar Mendes propôs um novo anteprojeto de lei que fragiliza o direito à consulta livre, prévia e informada, criminaliza retomadas, indeniza invasores e altera profundamente o procedimento de demarcação. Pior: sinalizou a abertura de nova negociação sobre a mineração em terras indígenas”, afirma o documento.
De acordo com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), 156 terras indígenas estão em fase de estudo (primeira etapa do processo de demarcação), outras 37 já tiveram seus limites delimitados pela Funai e outras 70 foram declaradas pelo Ministério da Justiça (momento que antecede a homologação).
Leia aqui a carta final do ATL 2025
A carta também destaca a repressão violenta por parte da Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e da Polícia Militar ocorrido durante a marcha “A resposta somos nós”, em frente ao Congresso Nacional. “Uma violência premeditada, já que no dia anterior um agente público disse em reunião ‘Deixa descer. Se fizer bagunça, a gente mete o cacete’. Assim, mulheres, crianças, anciãos e lideranças tradicionais foram brutalmente atingidos por bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Eles também não receberam atendimento imediato por parte do Corpo de Bombeiros”.
Uma das vítimas da violência policial foi a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), alvo de racismo e violência política. “As forças de segurança, que deveriam proteger os povos indígenas, são as mesmas que nos assassinam em nossos territórios e ainda não concebem que indígenas possam ser eleitos para aldear o Congresso Nacional”, aponta o documento.
Violência estrutural contra os povos indígenas

Após os lançamentos de uma Comissão Nacionalmente Determinada Indígena (NDC) e da Comissão Internacional Indígena, foi realizada a segunda grande marcha do ATL, com tema “A resposta somos nós”. Após uma manifestação pacífica, ao chegarem no Congresso vários indígenas foram agredidos por policiais do Departamento de Polícia Legislativa (DPOL) com bombas de gás lacrimogêneo, incluindo mulheres, pessoas idosas, crianças e a deputada Célia Xakriabá. Após a enorme repercussão das fortes imagens de indígenas desmaiados, reclamando de dores nos olhos, Senado e Câmara dos Deputados divulgaram nota informando que os agentes teriam contido manifestantes que teriam ultrapassado o limite previamente acordado com a organização do acampamento.
Contudo, a APIB divulgou nota repudiando a violência que ela considerou premeditada, e parte de um contexto de violência e racismo estruturais que o Congresso ajuda a disseminar, seja com aprovação de leis que prejudicam a vida nos territórios, seja com a ação policial. Durante reunião on-line para organização do evento, ocorrida na quarta, 09/04 onde foram fechados detalhes sobre o trajeto, é possível ouvir uma gravação em que um homem fala: “Deixa descer logo, deixa descer e mete o cacete em quem fizer baderna”.
“Como não havia nenhuma barreira, as pessoas estavam descendo [ao gramado nas proximidades do Congresso, ao fim da marcha] fazendo seu ritual, sem arma nenhuma, sem arco, sem flecha, quando foram agredidas”, relatou Norivaldo Mendes, coordenador da APIB pela Aty Guasu, durante entrevista coletiva concedida hoje, 11. Segundo ele, os indígenas respeitam o Congresso como casa deles, e uma reação violenta sem qualquer tentativa de diálogo só reforça que a intenção da DPO era mesmo agredir.
A deputada Xakriabá formalizou uma denúncia ao STF, para que as circunstâncias envolvendo a agressão sejam apuradas e as medidas cabíveis sejam adotadas.
ATL 2025
O Acampamento Terra Livre é a maior mobilização do movimento indígena do mundo. Em 2025, o evento reuniu mais de 7 mil indígenas de mais de 150 povos no Eixo Cultural Ibero-Americano, antigo Complexo Cultural Funarte, em Brasília. Durante o evento, que ocorreu de 07 a 11/04, foram realizadas diversas plenárias, que pautaram temas como o protagonismo juvenil indígena, a importância do ativismo judicial, visibilidade LGBTQIA+, mulheres, além de diversos temas envolvendo enfrentamento a megaprojetos e a crise climática.
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Foto de capa: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Reportagem produzida em parceria com com o Programa de Apoio ao Jornalismo (PAJor) do Repórteres Sem Fronteiras