Em entrevista para o Amazônia Vox, Tapajós de Fato e Carta Amazônia, Ana Toni abordou esforço para transição energética e importância do engajamento da sociedade para conter mudanças climáticas 

“Nosso maior inimigo é o tempo”. A afirmação de Ana Toni, que liderou a secretaria nacional de mudança do clima do  Governo Federal e deixou a pasta para assumir a diretoria executiva da COP 30 no Brasil, resume o esforço pela transição energética e os esforços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e preparar cidades e comunidades para os impactos climáticos. O tempo também tem sido um adversário nada amistoso para Ana Toni, que tem tido mais compromissos na agenda que as horas de cada dia. Entre reuniões com equipe, diálogos com diferentes setores e países e eventos prévios ao evento, ela reforça que a Conferência das Partes da ONU (Organização das Nações Unidas) para o clima, que chega em sua edição 30 em Belém, em novembro deste ano, não se resume a um evento de duas semanas. 

“É um processo que é construído antes e precisa ser mantido depois”, resume. A corrida contra o tempo e os diálogos anteriores ao evento caminha justamente no sentido que busca dar à COP 30 um arranjo que possa significar mais acordos firmados e avanços do que sentimento de frustração que tomou conta nos últimos dias da COP 29, em Baku, no Azerbaijão. 

Em entrevista exclusiva aos jornalistas Daniel Nardin, do Amazônia Vox, Adison Ferreira, do Carta Amazônia e Isabelle Maciel, do Tapajós de Fato, Ana Toni destacou o papel do jornalismo no contexto da COP 30, como espera que a sociedade civil e os povos tradicionais sejam protagonistas do debate da conferência e qual o legado que ela espera do evento. A entrevista foi realizada como parte da programação do evento Trilhas da Cobertura Climática, organizado pelo Instituto Bem da Amazônia, entre os dias 8 e 9 de maio. 

Com mais de 25 anos de experiência, Ana Toni é especialista em temas relacionados à mudança do clima, meio ambiente, advocacy e filantropia. Foi diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), presidente do conselho do Greenpeace Internacional e é co-fundadora da Gestão de Interesse Público, Pesquisa e Consultoria (GIP). Também trabalhou como diretora da Fundação Ford e da Action Aid no Brasil.

Leia abaixo a entrevista na íntegra

Daniel Nardin: Para começar esse bate-papo,  para ouvir um pouco sobre a tua visão sobre o papel do jornalismo e da comunicação em geral, nesse contexto em que a gente vive, de urgência climática, da realização da COP no Brasil e da relação que se tem, seja de dificuldade ou de oportunidade de implementar a política climática num cenário de excesso de informação e, ao mesmo tempo, de circulação de desinformação.

Ana Toni: Parabenizo o Amazônia Vox, o Tapajós de Fato e a Carta Amazônia, por essa iniciativa de vocês se juntarem e estarem fazendo um trabalho juntos, porque é realmente muito legal poder debater um tema tão importante que é a integridade da informação nesse momento que a gente está se aproximando, que é a COP 30.

É um tema absolutamente fundamental, porque muito do que a gente faz em mudança do clima é baseado na Ciência e aí ter dados claros, a gente poder falar da onde vem essa informação, de onde tirou essa informação, quem disse, essa realidade é que nos dá o chão para orientar a política climática não só nacional, como internacional.

Como você falou, Daniel, a gente está em um momento de muita informação, mas também, infelizmente, de muita fake news.

Então, poder entender e filtrar o que realmente é uma informação para as pessoas tomarem as suas atitudes, fazerem as suas escolhas baseadas em informações íntegras, é fundamental e eu fico muito feliz que tenha essa iniciativa da UNESCO, é toda uma campanha pela integridade da informação, principalmente pensando aí a mudança do clima.

Isabelle Maciel: O Acordo de Paris marca 10 anos este ano e sabendo que a sociedade civil teve um desempenho fundamental na construção desse documento histórico e considerando que em outras conferências anteriores, em territórios marcados por fortes contradições socioambientais, essa mobilização popular foi essencial… Você acredita que a realização da COP 30 em Belém pode abrir espaço para que a sociedade civil ela proponha novos documentos, a exemplo do que ocorreu no Acordo de Paris?

Ana Toni: Olha, eu não tenho dúvida, e o Brasil tem essa tradição. Não foi diferente durante a Rio 92, quando surgiu a Convenção de Mudança do Clima, a participação da sociedade civil e a mobilização naquele momento – eu estava lá em 92, já seguindo esse tema – fez muita diferença no que virou a convenção do clima.

Depois que tivemos a Rio+20 também e acho que não vai ser diferente em Belém, principalmente porque não só é no Brasil, mas é em Belém, é na Amazônia, onde tem uma tradição de participação muito forte da população local, dos povos tradicionais, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos. Essa tradição está amarrada, esse DNA da Amazônia, digamos assim, eu não tenho nenhuma dúvida que vai influenciar muito o que se o que vai ser discutido. 

E acho que o governo brasileiro, a presidência da COP, a gente tem trazido bastante esse desejo de fazer de uma maneira bastante inclusiva e participativa. Há uma semana, duas semanas, lançamos um encontro que a gente tá chamando de ‘Círculos’, onde um dos círculos é o ‘Círculo dos Povos’, no qual a gente vai se comunicar com as populações tradicionais, indígenas e quilombolas. Quem vai liderar vai ser a ministra Sonia Guajajara, que é uma maneira da gente envolver a população e os seus territórios. Também criamos o ‘Círculo de Ministros da Fazenda’, para a gente também ouvir essa população totalmente diferente. Então a ideia é criar sim um ambiente de participação e a razão disso, Isabelle, é que a gente está chamando as pessoas para esse mutirão global, para o combate às mudanças do clima. A gente precisa de todo mundo.

Se antigamente, quando foi a Convenção em 92, ou mesmo no Acordo de Paris, recentemente, 10 anos atrás, que se achava que os governos federais dariam conta de fazer tudo para combater a mudança do clima, está claro que hoje em dia não é o suficiente, a gente precisa do setor privado, a gente precisa dos governos subnacionais e da sociedade civil, dos povos e seus territórios para nos ajudar com soluções e a gente conseguir escalar e acelerar as ações climáticas.

Adison Ferreira: Eu quero destacar sobre a temática povos indígenas que a senhora citou agora há pouco. Durante o Acampamento Terra Livre 2025, que foi realizado agora em abril, em Brasília, a APIB, a Associação dos Povos Indígenas lançou uma carta pública reivindicando o protagonismo dos povos originários nas negociações da COP 30. Além disso, também, durante o evento foi apresentado a NDC Indígena (contribuição nacionalmente determinada) e a Comissão Internacional Indígena para a COP 30, como a senhora citou agora há pouco.

Gostaria que a senhora falasse sobre essa reivindicação do protagonismo indígena na conferência, que foi muito falado durante o ATL, e a sua expectativa em relação à participação dos indígenas nesse debate da COP 30 em Belém. 

Ana Toni: Eu estava lá no ATL quando foi lançado, com a ministra Sonia Guajajara, a ministra Marina e o presidente da COP, André Corrêa do Lago. Estávamos todos lá. E é uma COP na Amazônia, não é uma COP em qualquer lugar, e a gente sabe o papel fundamental dos povos indígenas, das populações tradicionais, dos quilombolas, na preservação do planeta – e não só da floresta, mas da natureza como um todo. Então, beber deste conhecimento, dessa orientação que os povos indígenas nos trazem, é um privilégio. A gente tem que muito a agradecer por essa disponibilidade dos povos indígenas e populações tradicionais trabalharem com a presidência da COP para nos ajudarem a liderar.

Foi por isso, Adison, que a gente criou o Círculo de Povos, exatamente com esse objetivo de ter um canal direto dos povos indígenas, populações tradicionais e quilombolas com a presidência, para que em todo o processo, até porque a COP não é somente as duas semanas, é um longo processo.

Aliás, hoje faltam 197 dias para a gente ter a COP 30 em Belém, para a gente poder construir esse processo juntos. Então, é fundamental essa movimentação que a gente está tendo, eles poderem trazer para a gente diretamente quais são as reivindicações e tenho certeza que a COP 30 vai ter mais sucesso por causa dessa participação e fico muito feliz com a generosidade das populações tradicionais e povos indígenas em trabalharem conosco. 

Ana Toni é especialista em temas relacionados à mudança do clima, meio ambiente, advocacy e filantropia (Foto: Isabela Castilho/ COP30 Amazônia)

Assista entrevista completa no Youtube

Daniel Nardin: Perfeito. E, Ana, você falou agora há pouco do mutirão e esse foi um ponto bastante colocado na primeira carta do André Corrêa. Do ponto de vista prático, além do conceitual, de um movimento, de uma campanha, de um esforço, do ponto de vista prático, esse mutirão, o que que dá para a gente considerar como meta? Considerando que você tem essa questão do multilateralismo em que a gente já não vai ter uma adesão tão forte, por exemplo, dos Estados Unidos. Pode derramar para outros. Enfim, quanto esse mutirão pode ser efetivo e que tipo de medida prática você imagina? E pegando o gancho aí do Adison, isso que se fala, a questão dos povos indígenas, que está reivindicando de maneira prática uma co-presidência. É possível de maneira formal ou vai ser mais na articulação e se isso está dentro do mutirão.

Ana Toni: Primeiro, a gente mostra que estamos escutando e nos inspirando nos povos indígenas a partir da palavra mutirão, que é uma palavra indígena. E é muito difícil essa tradução, como é que eu traduzo mutirão para o inglês, o francês, esse conceito do mutirão que vem dos povos indígenas é um conceito muito novo, não tem nem traduzindo muitas línguas.

Então, essa ação coletiva para um objetivo comum, na qual você participa e só a sua participação já traz coisas para você, mas também para os outros. É um conceito tão bonito, e acho que em termos práticos, bom lembrar historicamente, se a gente não tivesse feito nada, se não tivesse Acordo de Paris, a gente ia chegar em mais ou menos 4,5º, 5º graus até 2100, que era para onde a gente estava caminhando.

Passaram-se 10 anos do Acordo de Paris e eu fico acho que a gente tem que celebrar sim o Acordo de Paris, porque em 10 anos a gente agora, se as contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), lideradas pelos governos nacionais, a gente agora já está mirando 2.5º, 2.7º. Então assim, mostra que o Acordo de Paris teve um efeito muito positivo, mas liderado pelos governos nacionais que são quem fazem as NDCs.

Então, praticamente, o que é esse mutirão? A gente sabendo que o nosso objetivo é chegar em 1.5º. Então, a gente tem que acelerar as ações e a gente não pode esperar que somente os governos federais liderem esse processo.

Então, ao trazer a ideia de mutirão, o que a gente espera é, primeiro, reforçar a ideia do multilateralismo, que isso não é para um país fazer ou a saída de um país, por exemplo, os Estados Unidos que resolveu sair do acordo de país, vai atrapalhar o conjunto de países 197 países que ficaram na convenção de ir na direção de combater mudança do clima. Então, a ideia de multidão traz essa coisa da unidade, de que todos estamos juntos, sim, estamos juntos. Segundo, a ideia de multidão mostra que todo mundo pode fazer a diferença. A gente pode fazer uma diferença como consumidores, como professores, como eleitores, como mães, que cada um de nós contribui um pouco mais, um pouco menos, dependendo da posição que nós estamos, mas todos temos essa essa possibilidade de contribuir e não só os governos federais e precisamos de todos.

Então, a gente espera sair da COP 30 com esse entendimento, que as pessoas façam nos seus territórios, nas suas cidades, nas suas casas, todos os dias, uma ação. E aí a gente aprende de novo com os povos indígenas, os quilombolas e as populações tradicionais, que já fazem isso no seu dia a dia. Então, a gente poder mostrar que já tem gente fazendo isso no seu dia a dia, que essas soluções já existem e o que a gente precisa agora é ganhar escala e acelerar, é um pouco dessa dessa nossa intenção, mostrando que as COPs, como eu disse, elas não são balas de prata, mas elas são é momento de inflexão, mas o que a gente precisa agora é para além dos, digamos, dos muros da COPs, envolver outros atores, por exemplo, os órgãos financeiros como o Fundo Monetário Internacional (FMI), as políticas públicas mais em geral de todos os outros setores, a gente vai ter que expandir essa amplitude de atores para a gente conseguir acelerar. Então por isso a gente trouxe aí a ideia de mutirão.

Isabelle Maciel: E, Ana, muito se tem debatido nesse contexto de grandes obras, de projetos que muitas vezes eles têm se mostrado contraditórios, em relação à agenda ambiental e climática, e um pouquinho diante das coisas que você tem falado, conversado aqui com a gente hoje, diante desse cenário, qual o verdadeiro legado assim que a COP 30 de Belém pretende deixar para cidade, para a Amazônia, enfim, para região?

Ana Toni: Super boa pergunta, Isabelle, porque quando a gente pensa no legado da COP 30, a gente vem conversando bastante, temos legado em três níveis. Primeiro, é uma COP na Amazônia, não da Amazônia, no Brasil, não do Brasil. Então, o primeiro legado é o legado que essa COP, a COP 30, deixa globalmente, para o mundo. E aí, como eu falei, o multilateralismo, os investimentos dos países do Sul são legados, clima de adaptação são legados importantes que a gente quer deixar nessa COP. O segundo grande nível de legado é para o Brasil. Que legado essa COP deixa para o Brasil como um todo? E aí, eu acho que tem uma oportunidade grande de trazer o Brasil como um promotor de soluções climáticas.

O Brasil tem isso muito claro, que pode sim ser e é um um provedor de soluções climáticas nas diversas áreas, na preservação da floresta, no reflorestamento, em energia. Então, a gente tem condições naturais e comparativas muito boas para nos colocados nesse lugar, mas um legado muito concreto é a nível local, para a cidade de Belém, e logicamente para a Amazônia como um todo.

Da perspectiva da Amazônia, eu diria que um grande legado. As pessoas olham para a Amazônia no tema clima muito mais como um problema do que uma solução. E a Amazônia é muito mais uma solução do que um problema. Porque o viés antes era só desmatamento, as pessoas não conseguem ver todas as soluções da Amazônia que o mundo precisa, de preservação, de bioeconomia, logicamente das terras indígenas, dos quilombolas. Então, como é que a gente tem essa oportunidade de mostrar a real Amazônia, a sua diversidade socioambiental como solução para o clima.

E obviamente para Belém, tem que ser uma uma COP que seja boa para os belenenses. A gente conhece os belenenses, são talvez uma parte do Brasil que é mais generosa, que sempre acolhe tão bem, não tem comida melhor no Brasil do que a de Belém, né? A gente sabe disso, como as pessoas são absolutamente maravilhosas. Que legado a COP pode trazer para Belém?

Não só em termos de infraestrutura, que está sendo colocada, mas também de colocar Belém e o Pará e, no caso, a Amazônia, para o mundo conhecer. Conhecer a cidade, conhecendo todas as possibilidades de soluções que lá tem e conhecer o povo maravilhoso de Belém e do Pará para as pessoas se encantarem como nós brasileiros já somos encantados por aquela cidade e pelo estado para que todos os outros tenham essa oportunidade também.

Então, eu acho que ter o legado local é fundamental e também será fundamental para que a COP dê certo. Em uma cidade tão acolhedora como Belém. 

Ana Toni falou sobre o protagonismo dos povos indígena na COP30 (Foto: Estevam / Audiovisual / PR)

Adison Ferreira: Ana, a senhora durante seus depoimentos, como diretora executiva da COP 30, a senhora tem falado muito sobre a importância da adaptação climática. Tanto que numa entrevista recente na Agência Pública, a senhora afirmou que o tema da adaptação não é mais uma escolha, é uma necessidade. Queria que a senhora explicasse um pouco melhor como essa adaptação climática ocorre na prática, e principalmente em relação ao envolvimento da sociedade civil, tanto em relação às questões de organizações públicas e privadas. Queria que a senhora detalhasse um pouco melhor para a gente isso, por favor.

Ana Toni: Então, olha, é a primeira vez que a gente vai ter uma COP depois de já termos passado de 1.5 graus, que foi no ano passado. A primeira vez que a gente está tendo uma COP em um ponto de não retorno que é na Amazônia. Então, é uma COP muito emblemática da crise e da emergência climática que a gente já está vivendo. Muitas das COPs anteriores eram, a gente estava debatendo a COP como um problema futuro, como um problema para as próximas gerações. Infelizmente, a COP já invadiu as nossas casas, as nossas cidades, com enchentes, com secas, com incêndios, com ondas de calor. Aí na Amazônia, infelizmente, vocês vivem isso, viveram isso agora recentemente, com a seca que teve, também com os incêndios.

Então, isso já é parte da realidade das pessoas. E por isso que eu falei que a adaptação não é mais uma escolha, é uma obrigação de todos nós. E muitas dessas maneiras de se adaptar a um clima mais quente ou com com eventos climáticos extremos que agora você não controla mais, não controla mais quando é que vai chover, quando é que vai fazer seca. Isso está atrapalhando a organização de todos, principalmente, por exemplo, quem vive no território e que depende de chuvas regulares ou sol regular, que você sabe quando é que você planta alguma coisa ou quando não planta, como é que a semente, como é a resiliência das sementes ou não sementes. Então, o que é a tal da adaptação? Também para as cidades, né? Mas o que é a tal da adaptação? É pensar que o planeta vai ficar mais quente.

A gente vai ter mais secas, a gente vai ter mais inundações. Como é que a gente se adapta a isso? Desde de pensar a nossa agricultura, como é que a gente olha para as escolas e talvez vão ter que construir escolas já só com o andar de cima, para caso tenha uma inundação, as crianças estarem bem. Como é que a gente faz agora projetos de saneamento, na qual a vazão de água seja muito maior, porque a gente viu o que aconteceu no Rio Grande do Sul.

Então, a adaptação é uma coisa que vai fazer com que todos nós tenhamos que nos adaptar, sair com 50°, com o sol de 50°, muita gente vai passar mal. Então, a gente vai ter que mudar os horários do que a gente está fazendo as coisas.

Então, a adaptação é desde coisas muito pequenas, vai depender de cada um do território, como cada um desses territórios está sendo atingido, mas tem que mudar a lógica e de cada um de nós, sabendo e do poder público, logicamente local, sabendo que a gente vai precisar se adaptar. Não é mais uma escolha, é uma obrigação e eu acho que a transição, ela é inevitável. A gente sabe que vamos ter que fazer isso, mas a transição justa, ela é uma opção e o Brasil está fazendo essa opção para ser uma transição justa. E para ser uma transição justa, a gente tem que incluir a todos e proteger a todos.

E por isso a gente tem feito um trabalho grande, principalmente no plano de adaptação que a gente que está em consulta pública com os planos setoriais de adaptação e com o lançamento do ‘Adapta Cidades’ para ajudar cada município a ter o seu plano de adaptação e aí conseguir proteger melhor a sua população. 

Daniel Nardin: Ana, você tocou num ponto aí que era justamente para para que a gente, jornalista, consiga se preparar melhor para cobrir a COP. Então, a gente tem dito agora há pouco, eu estava ouvindo também a Daniela, a Kátia Brasil, sobre o quanto a COP é um evento importante de negociação climática, mas o quanto a gente precisa cobrir clima, antes, durante, depois, o maior evento climático do ano não é a COP, é uma enchente, uma seca. E aí na COP você discute. Queria saber se você concorda com isso, de que forma? E além da adaptação, mas que outros temas você sugere e recomenda para que comunicadores que vão falar desse assunto estejam atentos e tenham um enfoque maior. 

Ana Toni: A COP é um evento de duas semanas, mas como eu falei, a gente está tentando transformar nossa COP num processo, num processo de um ano de presidência designada, que o Brasil é agora, e o ano que vem, quando o Brasil continua como presidente da COP. Então a gente está tentando ver a nossa atuação nesses dois anos de COP, como uma COP estendida. E é exatamente isso, esse tema, porque mudança do clima acontece todos os nossos dias aqui, a gente está fazendo essas opções sobre mudança que implicam e tem consequências para a mudança do clima.

Por exemplo, que tipo de transporte a gente usa, se é um transporte público ou se são os nossos carros, se é um carro elétrico ou biocombustível ou não, que tipo de alimentação a gente tem, como é que isso pode estar afetando também a mudança do clima. Que tipo de conhecimento vai ser preciso para os estudantes terem empregos no futuro, né? Que, por exemplo, com painel solar ou com energias renováveis. Então, eu acho muito legal que os jornalistas possam desmistificar que mudança do clima é um tema só ambiental. Já foi há muito tempo um tema ambiental. Hoje em dia, ele é um tema social e ele é um tema econômico. E é um tema político, ele é um tema que perpassa todos os outros temas, porque é uma perspectiva que você traz que no final a mudança do clima é falar assim: o planeta ou a natureza tem limites. E é por isso que agora a gente está tendo que lidar com os limites da natureza, que infelizmente se impõe e por isso essas nossas decisões.

E aí a adaptação vai ser um tema muito importante, a gente tentar traduzir, como a gente tava conversando, o que é a adaptação no final do dia e como é que envolve as pessoas. Segundo, tentar mostrar para as pessoas que em cada uma das suas atitudes, elas podem ajudar no combate à mudança do clima.

Como eu falei, como consumidores, como mães, como professores, como eleitores, todos os dias as pessoas deviam se perguntar, viu, Daniel, qual foi a minha ação climática de hoje? Como é que eu vou contribuir para a sustentabilidade hoje? Eu fiz alguma coisa que contribuiu ou eu só retirei da natureza alguma coisa?

Se a gente aprendesse com os indígenas e fizesse o que eles já fazem, que é o que a gente pega, a gente devolve também para a natureza, a gente não estaria nesse lugar. Então, eu acho que é ouvir mais os povos indígenas e trazer isso para o nosso dia a dia. O tema de energia vai ser um tema também muito quente, por razões óbvias, né? Assim, o tema de mudança do clima, é, essencialmente, para o mundo, não é o caso do Brasil, mas para o mundo, é um tema sobre combustíveis, combustíveis fósseis. Então, acho que esse debate também vai ser um debate quente. É um debate sempre difícil, porque não depende só dos produtores, também depende dos consumidores.

Porque se tiver demanda por carros a combustão, alguém vai estar lá oferecendo essa combustão. Então, como é que a gente pode olhar os problemas que a gente tem para descarbonizar, poluir menos o planeta da perspectiva de produtores e consumidores? Consumidores têm também responsabilidade. Então temos que falar de ambos, mas a gente vai ter que trazer isso para poder ter uma uma cobertura e um diálogo maduro sobre os problemas. São as coisas difíceis. A gente está tentando fazer uma transição num tempo muito curto e eu brinco que o nosso pior inimigo é o tempo. Porque a gente vai fazer a transição, só que a gente não tem tanto tempo. E cada dia que a gente demora, mais gente vai sofrer.

Então, no final, a mudança do clima é um problema humanitário, porque são vidas que estão aí, cada dia que a gente demora para fazer a transição, é mais uma enchente, é mais um incêndio, ou seja, são mais pessoas sofrendo. 

Isabelle Maciel: Ana, já aproveitando para fazer a última pergunta, já agradeço você pela disponibilidade na conversa. O Daniel, tem feito perguntas muito direcionadas à cobertura, uma preocupação nossa, enquanto jornalista, não só na cobertura da COP, mas dos outros espaços alternativos das populações que vão estar ocorrendo durante a COP. E uma preocupação também desses movimentos sociais, que estão se organizando para ir na COP, e fazer esses eventos também durante, é dessa integração desses eventos alternativos na programação oficial da COP, como a Cúpula dos Povos, COP das Baixadas, COP das Florestas. Então eu queria um pouquinho saber de você dessa integração, se há essa possibilidade, como vocês estão pensando isso. 

Ana Toni: Certamente há essa possibilidade. Normalmente, nas COPs, você tem um espaço de negociação. Daí, tem a chamada Zona Azul, onde quem tem credencial pode entrar, e tem a Zona Verde, que é aberta ao público local e não precisa de credencial.

Mas é o Brasil e a gente sabe que vai ter muito mais espaços de integração do que a zona de negociação, Zona Azul e Zona Verde. A gente tem a Cúpula dos Povos, a Cúpula das Baixadas, são diversas casas, temáticas que já estão surgindo em Belém, o Brasil tem uma democracia muito pujante, onde as pessoas vão poder debater, certamente irão protestar, e isso é muito bom, porque isso mostra que a nossa democracia, ela está viva e que a gente sim tem maturidade de lidar com visões diferentes, sentando e dialogando.

Então eu fico muito feliz desses outros espaços, porque faz parte dessa democracia brasileira e por isso essa integração de todos os espaços e a presidência da COP 30 vai estar falando de todos esses outros espaços e não só da negociação formal, a gente vai querer também divulgar esses outros espaços no nosso website, poder ir nesses espaços, porque é fundamental esse diálogo entre esses diversos espaços que a COP 30 vai ter.

Adison: Para a última pergunta, o governo do Pará tem afirmado em suas peças de comunicação que a COP 30 é a COP da floresta. Gostaria de saber da senhora em relação a essa agenda floresta, de debate na conferência, principalmente em relação a temas que o Brasil tem discutido há muito tempo como conservação, restauração e combate ao desmatamento.

Ana Toni: Obviamente, é uma COP na Amazônia, então, o tema, eu diria, não só floresta, mas oceanos, rios, água, vão ser temas muito fortes. Porque para o Brasil são temas muito importantes, o uso da terra é muito importante. Então, sim, espero que esses temas, principalmente, como é que a gente dá valor à preservação da floresta. Isso é um tema muito, muito importante para nós.

Então, esses temas terão muita disposição, como, por exemplo, esse novo instrumento econômico, o TFFF, né, que é o fundo de para florestas tropicais, vai ser um tema grande, pagamento por serviços ambientais, mercado de carbono, todos esses temas serão fortes ali na COP, mas a gente não pode também perder a nossa visão, porque em termos do problema mudança do clima, as florestas do mundo inteiro contribuem com 10% para o problema.

As florestas são para nós parte da solução e não parte do problema. O problema é a energia e os combustíveis fósseis. Então, a gente quer trazer sim o tema de floresta, mas um tema como solução e não como problema, e sim olhar sim o que a gente pode acelerar de alternativas para aí sim discutir os grandes problemas principalmente dos outros países, já que muitos países tem aí carvão, combustíveis fósseis, como o topo da sua matriz.

Não é o caso brasileiro, que sim, é um grande produtor combustível fóssil, mas em termos de emissão, é a nossa emissão vinha aí do desmatamento, da agricultura, mas a gente sabe que elas também fazem parte da solução e é isso que a gente vai poder mostrar.

Daniel Nardin: Ana, eu tenho participado de alguns debates também com com jornalistas internacionais e a gente ouve muitos especialistas fora e vários deles comentam: “Olha, o Brasil escolheu muito bem a presidência e a co-presidência da COP”, com André Corrêa, com você. Tenho ouvido bastante isso de outras pessoas mundo afora. Mas todo mundo também fala que tem uma questão a resolver, porque o Brasil tem esse protagonismo, essa liderança, mas ao mesmo tempo você tem um debate sobre a possível exploração de petróleo na margem equatorial. E aí, como é que a Ana Toni responde, a Ana Toni e a Ana Toni presidente da COP. 

Ana Toni: Primeiro, fico super feliz com a generosidade desse seu comentário. Mas, no final, eu acho que sobre o tema de combustível fóssil é um tema muito importante, como eu falei, o grande problema da mudança do clima é combustível fóssil, pronto. Sempre foi.

Agora, a gente está querendo fazer uma transição muito rápida. Quando a gente acordou na COP 28, a gente falou que o mundo inteiro, 198 países falaram que nós vamos transitar para o fim de combustíveis fósseis, de uma maneira ordenada, equitativa e justa.

E o que o Brasil se propôs, o governo brasileiro, desde a última COP, a COP 29, é vamos debater como é esta maneira ordenada, equitativa e justa. É um debate que a gente tem que enfrentar e está enfrentando. Vamos lembrar como foi o debate sobre o desmatamento zero e imagino que vocês fizeram muito parte desse debate. Debater desmatamento zero alguns anos atrás era um grande problema, né?

Metade da sociedade brasileira a favor, outra metade contra, sempre foi um tema muito polêmico. Mas a gente dialogou sobre isso, continuam dialogando sobre isso e agora a gente tem o presidente da república que defende o desmatamento zero na frente de todo mundo o tempo inteiro. Combustível fóssil é para o mundo e para o Brasil ainda mais, porque a nossa matriz energética é bastante renovável. É o sonho da matriz energética de quase todos os países do mundo, a matriz elétrica já é 90% renovável e a matriz energética é ao redor de 45%, isso seria o sonho da maioria dos países do mundo, mas a gente não está se protegendo de não ter o debate. Nós vamos ter o debate. O que significa fazer isso de maneira ordenada? O que, infelizmente, eu vejo que está acontecendo e aí acho que vocês, jornalistas, têm um papel muitíssimo importante nesse debate, é não fingir que o debate não é complexo e que as escolhas são fáceis. A gente tem que fazer escolhas corajosas, mas a escolha é difícil. Como é que a gente vai fazer essa transição? Depende, como eu falei, de consumidores e produtores.

Qual é a dependência, não só do combustível, mas também a dependência econômica que a gente tem. Vamos substituir pelo quê? As mesmas matrizes energéticas da Amazônia são as do Rio Grande do Sul, podemos fazer todo mundo essa transição do mesmo jeito ou da mesma maneira?

Então, eu acho que o mais importante nessa COP é a gente poder enfrentar o problema, ter esse debate de uma maneira aberta e tentar fazer o menos polarizado possível, porque vocês sabem que quando a gente está nesse debate polarizado, as pessoas não escutam umas às outras, não tem argumentos. E aí só repete o posicionamento. E a gente tem que encontrar maneiras, quais são os setores mais maduros para fazer a transição nesse momento?

O que significa ser ordenado? Então, acho que problematizar esse problema é a nossa intenção, para a gente poder caminhar não só como o Brasil, mas também globalmente, porque como eu sempre brinco, molécula de carbono não tem passaporte. A gente pode poluir aqui, vai atrapalhar o resto do mundo, o resto do mundo poluindo lá, também vai atrapalhar o Brasil. Então a gente tem que fazer esse debate nacional e globalmente.

Durante a entrevista, a CEO da COP30 também falou sobre o legado que ela espera do evento. (Foto: Estevam / Audiovisual / PR)

Daniel: Eu vou encerrar aqui. Mas, Ana, te deixo à vontade para as considerações finais e agradecimento. Lembrando que a maior parte do público, claro que essa entrevista é aberta para todas as pessoas, a gente quer que muita gente assista, mas muito com enfoque com os jornalistas, os comunicadores, que a gente tem falado bastante para fazer esse treinamento. Mas eu queria te ouvir: para encerrar, dia 22, 23 de novembro, encerrando a COP, qual é a manchete que você gostaria de ler nos jornais como resultado dessa COP

Ana Toni: A gente estava pensando nisso outro dia, qual seria a manchete do dia seguinte. Mas eu juro que acho que assim, a manchete que eu gostaria de ver no dia seguinte é falar que a COP 30 contribuiu para que cada indivíduo, cada pessoa, acorde no dia seguinte e fale qual foi a minha contribuição para o combate à mudança do clima hoje.

Para que a gente possa trazer a mudança do clima para o dia a dia das pessoas e, novamente, os jornalistas têm um papel muito importante, para que as pessoas entendam o que o dia a dia de elas tem a ver com a mudança do clima, como é que elas são são sujeitas, mas também são atores do combate à mudança do clima.

Então, eu tenho confiança que a gente saia da COP 30 ainda mais unidos no combate à mudança do clima, muito menos polarizado. Porque o que a gente precisa nesse momento é muito mais união.

E, de novo, aprendendo com a população tradicional e os povos indígenas. Trazer esse pragmatismo de como é que eles já estão trabalhando com a natureza há tantos séculos, que a gente consiga aprender, tenha essa oportunidade globalmente de aprender com eles e trazer isso para o nosso dia a dia. 

Daniel: E talvez  um grande acordo global para financiamento climático, que saiu meio frustrado na COP 29?

Ana Toni: O financiamento, a gente não conversou sobre isso, o que a gente está pautado para trazer é um um relatório da presidência da COP de como mobilizar 1.3 trilhões de dólares. A gente certamente vai produzir esse relatório, lembrar que a gente já trouxe esse tema no nosso G20. Então, para o governo brasileiro, a gente já vem acumulando maneiras de contribuir, mas seria muito bom sim, você tem razão, se a gente saísse da COP 30 não só com um bom relatório, mas também com a comunidade internacional dizendo “sim, vamos seguir alguns ou todo tudo que está lá no relatório e vamos agir”.

Então, eu espero que a COP 30 consiga trazer essa coisa da implementação, do agir, do implementar, do fazer, como a maior importância para combater a mudança do clima. É isso que vai fazer a gente sair da onde a gente está agora muito vulnerável às mudanças do clima, e lembrar que as nossas ações no dia a dia têm consequências para as ações não só dos nossos vizinhos, mas dos nossos filhos e dos nossos netos. Obrigada, pessoal.

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Este conteúdo foi produzido como parte da programação do evento Trilhas da Cobertura Climática, organizado pelo Instituto Bem da Amazônia.

Texto e transcrição por Daniel Nardin, Alice Martins Morais e Natália Mello.

Entrevista por Daniel Nardin – Amazônia Vox, Adison Ferreira – Carta Amazônia e Isabelle MacielTapajós de Fato