Ministério Público Federal (MPF) avalia que o sistema de saúde da cidade ainda não está pronto, mas rede pública e centros de pesquisa dizem unir esforços para garantir segurança sanitária e deixar um legado por meio do SUS.

Por Alice Martins

A cidade-sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), mantém indefinições sobre a estrutura de saúde prevista para o evento. Unidades públicas e centros de pesquisa afirmam atuar em conjunto para garantir a segurança sanitária e evitar uma sobrecarga no atendimento, enquanto o Ministério Público Federal (MPF) alerta sobre falhas e atrasos no planejamento das ações.

Em meio à preparação, ainda em agosto deste ano, o MPF recomendou a diversos órgãos, como a Secretaria Extraordinária para a COP30, Secretaria Adjunta de Atenção Especializada à Saúde, do Ministério da Saúde, Superintendência do Ministério da Saúde no estado do Pará, Secretaria de Estado da Saúde do Pará (Sespa) e Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma), uma série de medidas e alertou para o risco de sobrecarga na rede de urgência e emergência. Com a ausência de respostas completas, no mês passado o MPF abriu um inquérito civil.

Segundo o órgão, as falhas estruturais incluem a ausência de aumento efetivo de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), além da falta de contratação temporária de pessoal ou reforço no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Há, ainda, a preocupação com o risco de tratamento de saúde diferenciado entre participantes da COP e a população local.

Dados enviados pelo MPF ao Amazônia Vox indicam que, até agosto, a Sesma havia ampliado apenas quatro leitos de UTI, passando de 106 para 110, e três leitos de retaguarda das enfermarias clínicas da Rede de Atenção às Urgências (RAU). A Sesma também informou ter solicitado aumento de 30% nos insumos e medicamentos, com base em estimativas técnicas, mas não sinalizou se o pedido foi atendido ou não.

Embora o plano oficial tenha sido apresentado em julho deste ano, os governos dizem que, desde o ano passado, cientistas e o poder público se mobilizam para garantir acesso à saúde de qualidade. O Plano de Ação do Evento vem se desenhando desde agosto de 2023 entre os governos federal, estadual e municipal e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC).

Apesar de já ter recebido grandes públicos em eventos, como o Círio de Nazaré, Belém enfrenta com a COP30 o desafio de acolher visitantes de diversas partes do mundo. No mapeamento de riscos do Plano de Ação, foi identificada a relação com o clima quente e úmido, com a possibilidade de chuvas e acidentes; a grande concentração de público; e a longa duração do evento, que aumenta a exposição a esses fatores.

Há, ainda, riscos ligados ao consumo de alimentos e bebidas, incluindo surtos alimentares e comportamentos violentos devido ao uso de álcool (inclusive gratuitamente na Blue Zone, fornecido pela empresa Heineken), além das condições de trabalho desse tipo de evento, como excesso de jornada e estresse por cobrança e metas.

Lívia Martins, diretora do Instituto Evandro Chagas (IEC), tem participado da elaboração dos protocolos de vigilância, biossegurança e resposta a emergências em saúde pública para a COP30. “O que traz um desafio grande para nós é que a região amazônica tem um turismo ecológico e as pessoas que vêm para cá querem ter um contato com a natureza, mas junto dela tem vetores e animais que nem sempre existem nos locais de origem dessas pessoas. Isso traz uma complexidade para o controle”, acrescenta.

MPF avalia que sistema de saúde não está pronto para o evento

Apesar dos esforços divulgados nos últimos meses, o MPF avalia que faltam lacunas a serem respondidas pelos governos federal, estadual e municipal. O primeiro problema foi a demora em apresentar o plano. As medidas só foram anunciadas depois que o MPF cobrou à Secretaria Extraordinária para a COP30, órgão da Casa Civil responsável pela organização do evento, o Ministério da Saúde e as secretarias de Saúde do Pará e de Belém, em julho deste ano. O órgão solicitou detalhamento sobre orçamento, recursos humanos, equipamentos e legado, com garantias de que a estrutura montada não será desmobilizada após o evento.

Em nota ao Amazônia Vox, o MPF explica que a resposta do Ministério da Saúde foi o plano de ação do evento, bem como o Guia Operacional para implantação e Funcionamento do CIOCS. “O MPF considerou que as respostas do Ministério da Saúde à Recomendação não enfrentaram os pontos indicados pelo órgão, e muito menos informaram novas providências. Por isso, o MPF reiterou as intimações”, cita a nota.

Já a Sespa e a Sesma, de acordo com o órgão, não responderam à recomendação. Ou seja, não concretizaram encaminhamentos, e, por isso, o MPF reiterou as intimações. “Verifica-se que o Poder Executivo critica a judicialização da saúde, mas não dá a devida resposta aos meios extrajudiciais de solução de demandas”, aponta o procurador da República Patrick Menezes Colares, responsável pelo Inquérito Civil.

Após as cobranças, outro ponto veio à tona: atraso salarial de meses e não quitação de rescisão dos profissionais de saúde nas UPAs, “o que reforça o não preparo do sistema de saúde em urgência e emergência para o evento”, conclui o MPF. “Apesar da falta de novos encaminhamentos em saúde, ao encontro da recomendação, pelo Poder Executivo federal, estadual e municipal, e sem prejuízo de judicialização, o MPF segue ativo e aberto ao diálogo”, reitera a nota.

Mirian Andrade, coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado do Pará (Sindsaúde-PA), diz que a representação é apenas para servidores públicos concursados e não cobre trabalhadores contratados por Organizações Sociais (OS), como é o caso de muitos profissionais que atuam atualmente no estado.

“Lamentamos a irresponsabilidade de gestores que contratam essas OSs, que não se sabe de onde surgiram, para gerenciar bens públicos da saúde, e irresponsavelmente tanto de gestores como dos donos dessas empresas terceirizadas, que não se sentem responsáveis com o pagamento dos salários desses funcionários que salvam vidas e ao mesmo tempo, passam necessidades financeiras”, denuncia.

Plano de ação em saúde prevê ampliação da rede, mas execução é incerta

Em 2024, o governo federal anunciou um investimento de R$ 53 milhões para fortalecer a rede de saúde em Belém, incluindo áreas fora dos espaços oficiais da conferência. Entre as ações prioritárias, o valor contemplava a construção de oito Unidades Básicas de Saúde (UBS), a compra de equipamentos e a ampliação do número de leitos para reduzir a superlotação nas 13 Unidades de Pronto Atendimento (UPA 24h) da região metropolitana. No entanto, até agora, o governo não detalhou quais equipamentos seriam adquiridos, onde ficariam as novas UBS nem quantos leitos foram efetivamente ampliados.

O valor previa ainda a contratação de 554 novos Agentes Comunitários de Saúde em Belém para realizar visitas domiciliares e monitorar famílias. O governo também anunciou que faria melhorias nas unidades dos bairros do Jurunas e do distrito de Icoaraci, transformando os locais em “postões de saúde”.

Em adição, o governo do Pará divulgou, em setembro, um plano estratégico, que integra hospitais estaduais, municipais e privados. Hospitais públicos como o Metropolitano, Ophir Loyola, Abelardo Santos e Gaspar Vianna terão funções específicas de urgência e emergência específicas para a COP30. Já os atendimentos de menor complexidade serão absorvidos por Unidades Básicas de Saúde ampliadas, que funcionarão das 7h às 22h durante o evento. Um novo pronto-socorro também estaria sendo criado no hospital Beneficiente Portuguesa, para funcionar pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Apesar das promessas, não há transparência sobre a execução das obras e aquisições. O Amazônia Vox solicitou à Secretaria de Comunicação do Estado do Pará (Secom), à Sespa e à Sesma detalhes sobre o status das medidas prometidas, educação em saúde e de ampliação temporária de leitos e demais serviços locais para evitar sobrecarga no sistema, mas não obteve resposta até o fechamento.

Para o período de 2 a 25 de novembro, a Sesma solicitou ao Ministério da Saúde , além da frota habitual, o aumento de duas Unidades de Suporte Básico de Vida (USB) e uma Unidade de Suporte Avançado de Vida (USA), e a instalação de mais 11 Postos de Atendimento, contando tanto com consultórios médicos quanto odontológicos. Mas não foi informado se os pedidos foram atendidos.

Também foram anunciadas capacitações para profissionais de saúde na detecção e notificação de doenças transmissíveis, aquisição de EPIs, preparação das equipes de vigilância epidemiológica, instalação de armadilhas de controle de vetores transmissores das arboviroses, dentre outras medidas. Do mesmo modo, as secretarias não confirmaram, ao Amazônia Vox, se as medidas foram cumpridas.

Para casos de cardiologia, o Ministério da Saúde tem parceria com o Hospital do Coração (HCor) e a Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP). Ao MPF, a Sespa acrescentou que durante o período do evento serão realizadas ações itinerantes com o objetivo de prestar assistência de baixa complexidade em pontos estratégicos da cidade.

Na última quinta-feira (5), o Ministério da Saúde anunciou o funcionamento de um Hospital de Campanha (HCamp), operado pela Força Nacional do SUS, localizado na Usina da Paz do Jurunas, na área mais populosa da cidade.

Estrutura de atendimento nos espaços da COP

Nos principais espaços da COP30, o Parque da Cidade e o Hangar Centro de Convenções, estão sendo montados Postos de Atendimento Médico (PAM) temporários até 25 de novembro, onde serão feitos os primeiros atendimentos aos participantes do evento. Em cada PAM, devem atuar pelo menos um médico, um enfermeiro, dois técnicos de enfermagem e um atendente administrativo (os órgãos oficiais não informaram se foi por contratação extra ou deslocados de outros lugares da cidade). Também serão disponibilizadas cinco ambulâncias, divididas em escalas de 12h e 24h.

Maca do Posto de Atendimento Médico (PAM), no Centro de Convenções. (Foto: Marx Vasconcelos/Amazônia Vox)

Protocolos de atendimento rápido e equipes de plantão exclusivas para emergências relacionadas à COP30 também estão em operação. A articulação segue os padrões da Organização Mundial da Saúde (OMS) e será coordenada pelo Centro Integrado de Operações Conjuntas em Saúde (CIOCS), estrutura que reúne representantes das áreas de vigilância e assistência das três esferas de gestão do SUS, garantindo coordenação e respostas ágeis. O modelo já foi utilizado em eventos como a Copa do Mundo de 2014 e o Círio de Nazaré de 2024.

Já durante a Cúpula de Líderes, a Força Nacional circulava pela Blue Zone para prestar atendimento volante pelos corredores. Amanda Dantas, consultora técnica da Força Nacional, é uma dos profissionais que vieram de Brasília e outros estados para dar esse suporte.

“A equipe médica está atuando aqui com médicos e enfermeiros, que são emergencistas, experientes em eventos de massa e tem alguns que falam outros idiomas, como inglês, francês, alemão e espanhol”, acrescenta. São eles que primeiro devem chegar no paciente em caso de necessidade e realizar os primeiros socorros até chegar ao posto de atendimento mais próximo. “Além dos funcionários da Força Nacional temos voluntários que estão aqui conosco hoje. Largaram suas rotinas e suas cidades acreditando na importância do SUS”.

Amanda Dantas, Consultora técnica da Força Nacional do SUS. (Foto: Alice Martins Morais/Amazônia Vox)

Na segunda-feira (3), a secretária adjunta de Gestão de Políticas Públicas de Saúde da Sespa, Heloísa Guimarães, publicou vídeo na Blue Zone da COP30 anunciando a estrutura do local. “O mundo chegou em Belém. Estamos aqui já na Zona Azul, trazendo atendimento para todos que precisarem durante a COP30. Até o momento, sete pacientes já foram atendidos. Casos leves, ansiedade, dor gástrica, dor de cabeça… Estamos aqui para garantir atendimento para todos, segurança, e uma bela COP”, disse.

Também estão previstas ações de monitoramento e controle da qualidade da água em Belém e outros municípios do Pará, já que o acesso à água potável ainda é um desafio na região. Na última terça-feira (4), a Sesma divulgou que vacinas estão sendo ofertadas para turistas e moradores que quiserem, em todos os postos de saúde da cidade, de segunda a sexta, de 8h às 17h, ofertadas de acordo com as indicações do Programa Nacional de Imunizações: Febre Amarela, Tríplice Viral, Antitetânica e Hepatite.

O atendimento seguirá um fluxo definido e testado em grandes eventos internacionais.

CONFIRA FLUXO DE ATENDIMENTO:

Postos de Atendimento Médico (PAM) instalados nos locais da conferência: pontos de triagem e primeiros cuidados.

Ambulâncias: levarão pacientes de casos de maior complexidade a um dos sete hospitais de referência do estado, conforme gravidade e perfil clínico(Hospital da Mulher do Pará, Hospital Jean Bitar, Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência, Hospital Regional Dr. Abelardo Santos, Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna, Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará , Pronto Socorro Dr. Roberto Macedo)

Central de Regulação: determinará a unidade mais adequada para cada situação, considerando especialidades médicas, complexidade e proximidade.

Atendimento a chefes de Estado: Delegações oficiais e líderes internacionais receberão atendimento em unidades privadas de referência, como os hospitais Porto Dias e Adventista de Belém, preparados para casos de alta complexidade. Demais hospitais das redes privadas também estarão à disposição aos estrangeiros que contarem com seguro internacional ou que preferirem pagar pelo serviço.

Com base nas informações levantadas pela reportagem do Amazônia Vox, a agência Carta Amazônia criou o mapa das unidades de atendimento à saúde da cidade-sede da COP30. O mapeamento destaca as Unidades Básicas de Saúde (UBS), as Unidades de Pronto Atendimento (UPA), hospitais públicos e privados, Usinas da Paz, Postos de Atendimento Médico fixos e intinerantes, além de espaços dedicados exclusivamente à saúde mental.

O levantamento pretende orientador os leitores do Carta Maps, o site de geojornalismo da agência Carta Amazônia, juntamente com os demais veículos da Rede Cidadã InfoAmazonia sediados em Belém e região metropolitana, sobre os locais de atendimento médico durante o periodo da Conferência do Clima.

O risco pouco visto das obras, sob o solo de Belém

O desafio sanitário ganha uma nova camada com obras de urbanização realizadas neste ano, como a construção da avenida Liberdade, que demandou a derrubada de 68 hectares de árvores. Segundo Lívia Martins, diretora do IEC, “a cada nova obra em Belém, podem ser encontrados novos vírus e micro-organismos”. O fenômeno ocorre porque escavações e movimentações de solo em áreas úmidas podem expor patógenos antigos, mantidos sob camadas de matéria orgânica e sedimentos amazônicos.

“Temos detectado muito mais frequentemente uma arbovirose que antes tinha casos mais pontuais, como é o vírus Oropoche, por exemplo, que agora vivenciamos uma dispersão grande”, adverte. Outro arbovírus citado é o mayaro, que normalmente tem um ciclo silvestre, sem transmissão urbana, mas o crescimento desordenado das cidades acende esse alerta. “Porque a cidade vai crescendo e invadindo áreas de floresta, que são o habitat desses vetores”, salienta. Ambos os vírus transmitem doenças com sintomas similares aos da dengue, como febre, dor de cabeça e náuseas.

Com a expertise do instituto, a ideia é colaborar na identificação precoce de circulação de doenças, em até 48h, especialmente em relação a sarampo e doenças respiratórias e diarreicas, pela circulação de pessoas de tantos países diferentes. “Nossa preocupação é com doenças que não têm na região e que possam chegar assim como as doenças daqui que não devem ser levadas para outros países”, destaca.

Nesse sentido, segundo Lívia, desde o ano passado a força-tarefa também já vem tentando reduzir os índices das doenças que ocorrem em Belém, intensificando a vacinação. O Amazônia Vox perguntou para a Sesma e Sespa sobre quais foram as principais estratégias de imunização no último ano, mas não obteve retorno.

___________________________

Foto de capa: Divulgação/ Agência Pará

Este conteúdo foi produzido com apoio do Edital de Bolsas de reportagens “COP30 em Belém”, destinado exclusivamente aos veículos da Rede Cidadã InfoAmazonia sediados em Belém e região metropolitana.

Fique por dentro das últimas notícias da agência Carta Amazônia. Participe do nosso canal no WhatsApp e receba conteúdos exclusivos direto no seu celular.