Evento reuniu cozinheiras ancestrais da Amazônia, chefs e empreendedores gastronômicos para celebrar os saberes e sabores da floresta
Da Redação
Durante a COP30, a Casa Niaré, em Belém, foi tomada por aromas, memórias e vozes que traduziram a força da cultura alimentar amazônica durante o coquetel de Lançamento do Manifesto das Guardiãs e Guardiões da Cultura Alimentar do Mundo. O encontro reuniu lideranças que preservam saberes culinários ancestrais e modos de vida da floresta, consolidando a cozinha como território de resistência, identidade e economia viva. O manifesto é uma realização de Iacitatá e conta com apoio da Amazon Investor Coalition, Comida e Afeto, Amazonia Calling, Pontos de Cultura e Memórias Rurais, Instituto Zé Cláudio e Maria, Movimento Camponês Popular.
Participaram do encontro Claudete Barroso, da comunidade da Fazendinha, em Marapanim (PA); Marineide Juruna, da Aldeia Boa Vista, território Juruna em Vitória do Xingu; Lila Zumbata Flores, artista e guardiã do povo Tikuna; e a chef e pesquisadora Tainá Marajoara, do povo Aruã-Marajoara, responsável pela mediação e pela apresentação dos preparos levados por cada participante. O coquetel propôs uma experiência que entrelaçou memória, denúncia e celebração, tornando o lançamento do manifesto um ato político, artístico e afetivo.
Saberes da floresta
Na abertura, Tainá destacou a dimensão política da comida e a circulação das mulheres que carregam os saberes da floresta. Ela apresentou o mingau de banana com castanha e tapioca, o bejú Ticuna, os derivados de mandioca do Xingu e o arroz novo de Marapanim, ressaltando que cada prato expressa histórias, parentescos e lutas. “Para manter nossa cultura viva, trouxemos aqui nossos alimentos: mingau de banana com castanha, bejú, arroz novo e os sabores que guardam nossas histórias. A gente circula porque o mundo também é nosso lugar. Levamos poesia, floresta e a economia ancestral que sempre existiu”, afirmou, destacando também o papel da AIC e da equipe liderada por Renata Fleck no apoio às guardiãs.
Ao longo do encontro, o coquetel se transformou em espaço de denúncia. Marineide Juruna relatou a violência silenciosa provocada pela expansão da soja em sua região — um relato marcado por medo, isolamento e ausência de políticas públicas capazes de proteger a população local. A chuva branca de agrotóxicos, o adoecimento da terra e a morte dos igarapés apareceram como símbolos de um território pressionado. “A gente vive cercado. É veneno de manhã e de tarde, e nossos igarapés estão morrendo”, afirmou. O depoimento trouxe à sala o peso das disputas territoriais e evidenciou a urgência das pautas presentes no manifesto.
A artivista Claudete Barroso reforçou que a preservação alimentar é inseparável da preservação ambiental e da continuidade das comunidades. Em uma fala firme, ela lembrou que são as guardiãs que garantem o futuro: “Sem guardiões, não há preservação. Sem nós aqui, não existe futuro.” Claudete encerrou com um canto que atravessou o público, unindo força política e espiritualidade: “Sou cabocla, sou do Norte, sou mulher e eu sou forte, tu não vai me derrubar. Sou Amazônia, sou floresta, sou a vida a pulsar.” O momento se tornou um dos mais marcantes do encontro, dando corpo à mensagem do manifesto.
A artista Ticuna Lila Zumbata Flores destacou que a visibilidade das mulheres que produzem, transformam e mantêm viva a cultura alimentar amazônica ainda é insuficiente diante da importância desses saberes para as cidades e para a economia regional. Já Marineide Juruna lembrou a força dos derivados da mandioca e dos modos de preparo do Xingu, ressaltando que comida ancestral é também defesa do território, continuidade espiritual e tecnologia social.
O manifesto lançado no evento estabelece diretrizes para fortalecer a proteção dos territórios, valorizar as cozinheiras guardiãs, combater a contaminação por agrotóxicos, preservar rios e igarapés, e impulsionar economias florestais baseadas em sociobiodiversidade e protagonismo feminino. A representante da Amazon Investor Coalition, Renata Fleck, reforçou que a cultura alimentar amazônica é uma força que precisa ser reconhecida e protegida: “Essas mulheres são pilares da sociobiodiversidade. É urgente que os recursos, o valor e o reconhecimento cheguem até elas.”
O encontro marca também a apresentação do projeto Saberes e Sabores dos Asuriní do Xingu, que valoriza a culinária e os conhecimentos tradicionais do povo Asuriní da Terra Indígena Koatinemo (PA). Com participação direta das anciãs e jovens das aldeias Ita’aka e Ywyra’aka, a iniciativa reúne pesquisa, arte e ancestralidade em torno da alimentação como expressão de identidade e sustentabilidade. Oficinas culinárias, um livro bilíngue e materiais audiovisuais darão corpo a um projeto que fortalece a soberania alimentar e o protagonismo indígena — fazendo da cultura alimentar dos Asuriní uma ponte viva entre a floresta e o futuro.
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Foto de capa: Elias Serejo
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