Banda Torò Açú, do Quilombo do Abacatal, na Região Metropolitana de Belém, transforma a vivência no território em manifesto sonoro da cultura e ancestralidade negra da Amazônia

Por Adison Ferreira

Carimbó, barravento, reggae, guitarrada, lundu. O repertório de ritmos da banda Toró Açú é diverso. Mas a mensagem é uma só: celebrar a cultura, as vozes e a ancestralidade do povo quilombola da Amazônia.

Formado por moradores do Quilombo do Abacatal, em Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém, o grupo transforma a música em extensão do território.

“O Toró Açú nasceu como com um instrumento de resistência da nossa comunidade. Desde o início do grupo, a nossa ideia sempre foi contar a história do quilombo através da música e, com isso, fortalecer a nossa identidade. Cada composição mantém viva a história e a memória do nosso povo”, afirma Dav Maia, baixista e vocalista da banda.

Criado em 2016, o grupo já soma 15 músicas autorais publicadas nas plataformas digitais. Entre elas, “Eu ontem saí para pescar”, “Casa de farinha” e o “Ballet das borboletinhas”, que retratam o cotidiano de um território tradicional com mais de 300 anos de resistência.

As músicas são uma forma de traduzir a memória, a oralidade, o orgulho e a ancestralidade da comunidade. Cada composição é construída pela sensibilidade e o olhar poético de quem vive no povoado, erguido nas margens do rio Uriboquinha, afluente do rio Guamá.

As conexões com a floresta, o rio e a terra são a base das referências do grupo. Segundo Denilson Rodrigues, compositor e coordenador da banda, o nome Toró-Açú é um exemplo dessa harmonia entre os músicos e a natureza. O nome surgiu do som da chuva que se ouve de longe, caindo das folhas das árvores no quilombo.

“Desde o nome do grupo até as composições, tudo passa pela proteção ao nosso território, ao nosso povo, a nossa floresta. A finalidade é narrar as histórias do quilombo através do nosso próprio olhar, de dentro para fora da comunidade. Ao repassar essas histórias e conhecimentos para as futuras gerações, estamos mantendo o nosso quilombo vivo”.

Território de resistência

O Quilombo do Abacatal abriga 160 famílias que vivem no território desde 1710. De acordo com os moradores, a comunidade tem origem nos antigos engenhos de cana-de-açúcar instalados próximos a Belém, ao longo dos rios Guamá, Bujaru, Acará e Moju, no nordeste do Pará.

Relatos orais indicam que o engenho do Uriboca, propriedade do conde Coma Mello, foi deixado como herança para três de suas filhas, as “três Marias”, fruto da relação do conde com a escravizada Olímpia. Os registros estão no livro “No caminho de pedras de Abacatal”, das professoras Rosa Acevedo e Edna Castro, da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Embora fossem herdeiras, as três filhas não tiveram acesso imediato ao território, que permaneceu em disputa judicial por quase três décadas. Somente em 1999 a comunidade teve suas terras regularizadas pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa).

Escuta atenta do território

Em 2025 a Toró Açú lançou o seu primeiro álbum. Com 8 faixas, o “Mandiga do meu avô” é um convite à escuta atenta do território. Gravado em Belém, com a produção do músico Félix Robatto, o projeto resgata histórias e vivências do quilombo, transformando relatos orais em sonoridades de resistência.

O álbum, disponível nas plataformas digitais, é uma homenagem a Francisco Seabra, avô de três integrantes da banda, e uma exaltação a todos que construíram a história da comunidade.

A musíca “Casa de Farinha” integra o álbum “Mandinga do Meu Avô”

“As canções do ‘Mandiga’ são um manifesto sonoro, repleto de encantarias e ritmos afro-indígenas. O álbum representa e ao mesmo tempo celebra a nossa ancestralidade, nosso quilombo, nossas crenças, nossa luta, nossa alegria e reforça o protagonismo dos povos quilombolas da Amazônia”, conta Melina Guajajara, cantora e tocadora de maraca.

Ouça aqui o álbum “Mandiga do meu avô”

Às vésperas de completar dez anos de existência, a banda já apresenta um legado de referências que ultrapassa as fronteiras do quilombo. As canções da Toró Açú embalam festas dentro e fora da comunidade, estão na grade curricular da escola do território e já viraram temas de pesquisas acadêmicas.

Além disso, o repertório do grupo também funciona como um cartão de visitas do Abacatal.

“Como o quilombo fica numa área rural de Ananindeua, muitas pessoas da região metropolitana ainda desconhecem o nosso território. Para muita gente, o primeiro contato sobre a existência do Abacatal é através das nossas músicas. Isso nos deixa muito gratificados, pois, reforça um dos princípios do grupo: divulgar a cultura quilombola para além do território”, comenta Dav.

Para os músicos, a Toró Açu é muito mais que uma banda. É um patrimônio imaterial de reconexão com as raízes africanas, que ajuda a manter viva não apenas a memória do Abacatal, mas a memória de todas as comunidades quilombolas da Amazônia.

“Existem muitas formas de resistência e de afirmação de identidade. Nós escolhemos resistir através da arte. A cada música, a cada álbum, a casa apresentação, nós reafirmamos que vidas quilombolas importam. Reafirmamos a potência da nossa ancestralidade negra”, destaca Melina.

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Foto de capa: Adison Ferreira/ Carta Amazônia

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