Acampamento Terra Livre (ATL) acontece após a derrubada do marco temporal no STF e a aprovação da lei nº 14.701/2023
Por Adison Ferreira
Com o tema “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui”, a 20ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), realizado desde o último dia 22 de abril, no Eixo Cultural Ibero-Americano, em Brasília, reforça a luta pelo direito à terra e o enfrentamento ao Marco Temporal. O evento reúne cerca de seis mil indígenas de todos os biomas do Brasil e ocorre após a derrubada do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) e a aprovação da lei nº 14.701/2023, responsável por legalizar a tese e diversos crimes contra os povos indígenas, no ano passado
“Seguimos mobilizados e na luta. O ATL é a maior mobilização indígena do Brasil e a expectativa é que o ATL 2024 seja o mais participativo de toda a história, tanto em número de pessoas, quanto de representatividade de povos. É o momento de nos unirmos nas assembleias e debater os próximos caminhos”, destaca Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.
Karipuna afirma que a realização de mais uma edição do ATL é uma forma de reafirmar a história da população indígena desde a chegada do colonizador ao Brasil. O país tem, atualmente, 1,7 milhão de pessoas indígenas, o que representa 0,83% da população, conforme mostram os dados mais recentes do Censo Demográfico 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2023.
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Em manifesto divulgado na última segunda-feira (22), primeiro dia do ATL, o movimento indígena apontou diversas reivindicações como o retorno das declarações de Terras Indígenas, etapa anterior à portaria homologatória; e a finalização do processo de demarcação das “23 Terras Indígenas cujos processos administrativos de demarcação aguardam portaria declaratória”.
“Nesses 20 anos de Acampamento Terra Livre a gente veio lutando para que o nosso povo não perdesse a cultura, as tradições, que se mantivessem fortes e resistentes dentro do seu território, em busca de dar uma qualidade melhor de vida para os nossos povos, dentro do nosso território. Nós estamos aqui fazendo isso. Dizendo que existimos, que estamos resistindo e vamos existir”, destacou a líder indígena Mabel Apurinã, do Amazonas.
“Nosso território é nossa vida, estamos aqui para cuidar da terra, do meio ambiente, a terra para nós é sagrada, nós somos donos do Brasil, antes de chegarem aqui nós já estávamos com nossos cocares, nosso pé no chão. Por isso, não vamos desistir”, ressalta a líder indígena Regiane Kaigang, de São Paulo.
Emergência Indígena
De acordo com o levantamento feito pelo Coletivo Proteja, no primeiro mês da aprovação da lei nº 14.701 seis lideranças indígenas foram assassinadas no país. O dado é referente a 14 de dezembro de 2023 – data em que a lei entrou em vigor – a 21 de janeiro de 2024. No mesmo período, também foram mapeados 13 conflitos em territórios localizados em sete estados.
Um dos assassinatos foi o da pajé Nega Pataxó, povo Hã-Hã-Hãe, durante ação criminosa da Polícia Militar do Estado da Bahia com o grupo “Invasão Zero”. A liderança foi assinada na retomada do território Caramuru-Paraguaçu, município de Potiraguá.
A Apib afirma que a lei nº 14.701 representa o genocídio dos povos originários, pois a violência constante nos territórios são resultado da legalização do marco temporal, aprovado em 2023 pela bancada ruralista do Congresso Nacional que tem promovido diversos ataques contra os direitos dos povos indígenas. Para Articulação, a paralisação das demarcações de terras indígenas também agrava esse cenário de violência.
Em 2022, o relatório final do Grupo de Trabalho dos Povos Indígenas do Gabinete de Transição, do qual a Apib fez parte e coordenou, apresentou para o Governo Lula 14 terras indígenas em condições de terem demarcações homologadas nos primeiros 100 dias de governo. Mas, ao longo de 2023, somente 8 territórios ancestrais foram demarcados pelo presidente Lula.
Saúde Mental
Outro tema em destaque na programação do ATL 2024 é sobre o suicídio entre indígenas. Um estudo feito por pesquisadores da Escola de Medicina de Harvard (EUA) e do Cidacs/Fiocruz Bahia (Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fundação Oswaldo Cruz), apontou que a população indígena lidera os índices de sucídio e autolesões no Brasil, mas tem menos hospitalizações. Conforme o estudo, isso revela a precariedade no atendimento médico e no suporte à saúde mental para as famílias indígenas. A pesquisa foi feita com dados entre 2011 e 2022 e publicada na revista The Lancet.
Histórico
O primeiro ATL surgiu em 2004, a partir de uma ocupação realizada por Povos Indígenas do Sul do país, na frente do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios. A mobilização ganhou adesão de lideranças e organizações indígenas de outras regiões do país, reforçando a mobilização por uma Nova Política Indigenista, pactuada no período eleitoral naquele ano.
Dessa forma, foram consolidadas as estruturas para a criação e formalização da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), criada em novembro de 2005 como deliberação política tomada pelo Acampamento Terra Livre daquele ano.