OPINIÃO
Por Eraldo Paulino
O Big Brother Brasil está chegando ao fim de mais uma edição de sucesso, e ao contrário do que fizemos nas últimas semanas, eu não gostaria aqui de falar dos erros e acertos de quem compôs o elenco em 2024, ou de qualquer outra temporada, e sim de nós, que os assistimos. Sim, porque para mim, o grande barato desse reality que tanto engorda a conta bancária da Globo não é se fulano é planta, falso, mentirosa ou manipulador. E sim observar, curioso, como pessoas que não são proativas, que são falsas, mentirosas e manipuladoras encaram esse grande “black mirror” que é o BBB.
Como ninguém tem obrigação de saber o que termos em inglês significam, eu explico o trocadilho. Black mirror, em inglês, significa tela preta, e é também o título de uma série britânica de ficção científica muito famosa, originalmente veiculada no Channel 4, no Reino Unido, e exibida na Netflix desde 2017, já estando na sexta temporada. Um dos sentidos desse título, é que a tela da TV, do computador ou do celular, quando estão desligadas, são na verdade esses espelhos negros, e não importa o quanto essas tecnologias avancem, elas ainda serão reflexo do que há de mais positivo e negativo em nós, mesmo que não percebamos.
E já que estamos falando de espelho negro, podemos então falar de Babu, Karol Konká e Davi. A temporada 2020, da qual o ator que interpretou Tim Maia participou, talvez tenha demarcado de vez o quão esse programa tem conseguido ser um catalisador de debates que refletem a polarização política e social que nós estamos vivendo no Brasil, especialmente na arena das redes sociais. Também reflete bem como é o eleitorado brasileiro, entre o qual não é difícil de encontrar pessoas que votariam num candidato a presidente que combate a corrupção, na mesma eleição em que esse mesmo eleitor vendeu o voto para deputado em troca de emprego. Quem apoiava Babu, podia ser contra o racismo, mas também passar pano para machista, como era estigmatizado o Prior. E isso diz muito sobre que público nós somos.
Nesta edição, Babu passou a representar essa posição do militante que combate a opressão racial. Porém, algo do comportamento dele não agradava a gregos e troianos, e, após ser recordista de paredões, sucumbiu diante de adversárias que conseguiam ter menos rejeição que ele. Mas aí vem o programa seguinte, ainda com todo esse debate social e racial aparentando determinar quem vence ou perde o programa, e chega o caso dos militantes que pesam a mão, e acabam caindo em descrédito mesmo entre os militantes. E ali acontece o maior cancelamento que talvez jamais se repita no programa: O contra a cantora Karol Konká.
Como já adiantei, não vou aqui tentar analisar o comportamento dela. Creio que isso já foi feito por nós. Eu quero fazer algumas ponderações. A primeira é: Será que se a Karol fosse uma mulher branca, ou mesmo se fosse homem, ela sairia com a mesma rejeição? Será que nenhuma mulher branca, ao longo das dezenas de edições, jamais cometeu erros semelhantes ou piores que a Konká? Será que nós, que a odiamos na época, que vibramos quando ela finalmente caiu no paredão, como quem saliva para uma presa, que vibramos com uma carreira de uma mulher preta e periférica destruída diante dos nossos cliques… será que nós tínhamos realmente moral para ter atirado não só a primeira, mas tantas pedras assim nela?
Eu recordo que as polêmicas todas geradas naquela edição me fizeram voltar a ter interesse no programa como há tempos eu não tinha. Ora, foi justamente num desses debates que eu finalmente me reconheci no espelho preto da atração. Na época, eu questionava uma pessoa: “Tu não percebes que tu és tão ou mais ignorante que ela? (a Konká)”. Após aquela conversa tão acalorada, na qual eu protestava contra a cultura de cancelamento, eu voltava para casa com esse questionamento na cabeça. “Tu não te percebes…?”. O tempo todo repetindo para mim mesmo como aquela pessoa com quem eu discutira não se tocava.
Mais tarde, já no confessionário do travesseiro, como um VT, começaram a passar na minha timeline imaginária tantas vezes que eu fui muito pior do que aquele cara que acusei mais cedo de não se autoconhecer. E por que eu o acusei, então, se eu também não tinha moral para aquilo? Bom, Carl Jung costumava estudar esse apagão que temos de nós mesmos, e como, de forma inconsciente (ou não), nós acabamos criticando nos outros algo que na verdade é a projeção dos nossos próprios desconfortos conosco. Isso ocorre, em grande medida, porque temos dificuldade imensa em lidar com nossos demônios.
Ninguém gosta de errar. Aí quando um erro, especialmente um erro que escondemos de nós mesmos, vem a público, o boi de piranha está servido. Quem não conhece a história dos capitães do mato? Aqueles negros que, quando ascendiam na fazenda, batiam nos pretos mais fortes do que o capataz branco de outrora. Ou aquele pastor gay, que quando sobe ao púlpito grita com ainda mais ódio contra a comunidade LGBTQIA+? O BBB só expõe versões com lentes nos dentes de nós. Abraçamos quem gostamos ou gostaríamos de ser. Eliminamos a parte de nós que não gostamos. Mas o pior disso é quando só eliminamos de lá, e não daqui.
Então chegamos ao Davi. O favorito do programa, que tem posicionamentos fortes, talvez não quanto ao conteúdo, mas quanto à forma dos anteriormente citados. Só que o baiano é quase unanimidade nacional. O que ele tem de diferente de Babu e Karol Konká? Será o fato de que não é militante? Será que é por ser evangélico? Será que é porque jogou melhor? Não sei e nem quero aqui tirar qualquer mérito dele. Mas como adiantei, não estou aqui falando dele, e sim de nós. Então, será que as pessoas o perdoariam se ele fosse mulher ou um preto feio?
Será que ele não vai vencer por se parecer com a projeção que melhor fazemos dos negros, alguém que pode vencer na vida, cozinhando e lavando para os brancos, se ele se esforçar muito, ainda mais sendo um rapaz lindo igual mocinho de novela? Novamente, não sei. Não sei mesmo. E nem essas foram perguntas capiciosas. Não mesmo. Julgo que são necessárias. E espero que elas incomodem vocês tanto quanto me incomodem, porque também torço por ele. Torço, mas não para ser campeão. Eu não vou votar para o Davi ser campeão. Entre os que restaram acho ele o mais chato. Eu sou legal demais para votar em alguém tão chato.