Enquanto líderes mundiais se reúnem na COP30, em Belém, para debater açoes de enfrentamento ás mudanças climáticas; No Mato Grosso, cientistas estão testando os limites da floresta tropical para resistir à seca.
Por André Cabette Fábio
Sob o dossel da floresta amazônica brasileira, centenas de painéis de plástico transparente pairam entre os troncos das árvores para privar um hectare de terra de metade da água que normalmente recebe das chuvas.
Cientistas estão criando esta seca artificial no município de Querência, no Mato Grosso, próximo à borda sudeste da maior floresta tropical do mundo, para compreender melhor os limites da resistência da Amazônia a condições extremas de seca que são previstas pelos modelos de mudanças climáticas.
No experimento, chamado Seca Limite, a água é capturada pelas plataformas e então flui através de uma rede de calhas de madeira elevadas antes de ser despejada em outro lugar.
Como pacientes de hospital, os sinais vitais de 61 árvores são medidos, incluindo fluxo de seiva e dióxido de carbono, respiração e temperatura, com equipamentos alimentados por energia solar.
“É como se alguém estivesse medindo seu pulso e respiração todos os dias”, disse David Galbraith, professor de ciência de ecossistemas terrestres da Universidade de Leeds, na Grã-Bretanha, e um dos principais pesquisadores do Seca Limite, enquanto caminhava pela floresta conectada.
A equipe também está acompanhando o tamanho dos troncos das árvores e dados do solo de buracos de seis metros de profundidade, enquanto redes capturam folhas caídas.

no Mato Grosso (Foto: Rogério Florentino/Fundação Thomson Reuters)
Um drone equipado com inteligência artificial fez um modelo 3D da floresta desde que o projeto começou no final do ano passado.
Em toda a Amazônia, mudanças climáticas, desmatamento e degradação estão secando as florestas, e cientistas temem que partes da região estejam sendo empurradas para um ponto de inflexão, após o qual não há volta – pelo menos não em escalas de tempo humanas.
Este canto da Amazônia, considerado uma zona de transição para o Cerrado, já é mais seco e quente e vê atividade humana mais intensa do que outras partes.
“Aqui, a floresta está, digamos, na linha de frente das mudanças climáticas, disse Antonio Carlos Lola da Costa, professor de geociências da Universidade Federal do Pará, que está co-liderando o Seca Limite.
“Tem o avanço da agricultura de grande escala e do outro lado a Amazônia resistindo”, ele disse em uma estação florestal gerenciada pelo instituto de pesquisa IPAM Amazônia.
Incêndios recordes
Na cúpula climática COP30 das Nações Unidas em novembro em Belém, no Brasil, espera-se que grande parte do debate se concentre em como manter uma margem de segurança para a vasta floresta tropical, que tem 60% de sua área no Brasil.
Cientistas temem que este desmatamento, incêndios criminosos e perda de biodiversidade possam transformar partes da Amazônia em florestas degradadas ou até mesmo em savanas – áreas gramadas com uma quantidade menor de árvores.
Um estudo publicado na revista Nature no ano passado concluiu que 10% a 47% da floresta está sob risco de se degradar em outros ecossistemas até 2050.
Árvores apodrecendo e queimando em grandes quantidades despejariam enormes volumes de dióxido de carbono na atmosfera, acelerando ainda mais as mudanças climáticas.
Já há sinais de que a resiliência da Amazônia está cedendo.
A floresta tropical sofreu quatro secas severas no século 21, ajudando a alimentar incêndios florestais recordes no ano passado.
Um relatório de outubro da Organização Meteorológica Mundial mostrou que 2024 viu o maior aumento na concentração de dióxido de carbono na atmosfera desde o início das medições modernas.
Isso foi provavelmente causado por incêndios florestais e pela capacidade reduzida de florestas atingidas pela seca, assim como oceanos mais quentes de atuarem como sumidouros de carbono em meio a temperaturas globais recordes, disse a instituição.
Quebrando a floresta
Nos últimos 3.000 anos, as florestas amazônicas se expandiram rapidamente em direção ao sul, até a década de 1970, quando o regime militar brasileiro lançou programas de construção de estradas e colonização, e as taxas de desmatamento explodiram.
“Qualquer um podia conseguir terra no Brasil, desde que queimasse e ocupasse a floresta”, disse Ben Hur Marimon Jr., pesquisador da Universidade do Estado de Mato Grosso que está co-liderando o Seca Limite.
Ben Hur Marimon e sua esposa e colega professora de ecologia Beatriz Marimon vêm medindo parcelas florestais nesta fronteira de desmatamento há três décadas.
“Começamos as medições em 1994, e 15 anos depois, ficamos assustados porque muitas árvores começaram a morrer”, disse Beatriz, outra pesquisadora liderando o Seca Limite.
Dados coletados pelo casal foram publicados em um artigo de 2020 na Nature e mostraram que a região sudeste tinha a maior taxa de mortalidade de árvores na Amazônia.
Floresta tropical mais seca?
No município de Nova Xavantina, a entrada de uma das parcelas florestais que os Marimons medem desde a década de 1990 é marcada com uma placa crivada de balas alertando: “Proibido caça e pesca.”
Lá dentro, Ben Hur aponta para uma árvore com mais de 30 metros de altura, cujo tronco está começando a apodrecer.
“Aquela tem mais de 300 anos, e não vai durar mais um século. Essas são as primeiras a morrer”, disse ele. Perto dali, uma outra gigante, morta e sem folhas.

no Mato Grosso (Foto: Rogério Florentino/Fundação Thomson Reuters)
Um ano de seca extrema pode tornar uma árvore vulnerável a cupins ou outras moléstias, aumentando as chances de que ela morra na próxima seca, disse Beatriz.
A interação entre a seca cada vez pior e os incêndios florestais provocados por humanos também é central, como ocorreu no ano passado, quando a extensão das florestas amazônicas queimadas foi o dobro do recorde anterior em 40 anos de dados coletados pelo consórcio de mapeamento MapBiomas.
Mas pesquisas recentes podem oferecer algum motivo de esperança.
Outro experimento de secagem no norte da Amazônia mostrou que um terço da biomassa foi perdido nos primeiros 15 anos, mas a morte de árvores então se estabilizou à medida que a floresta se adaptou à nova realidade – com menos cobertura das copas e árvores mais baixas – mas ainda uma floresta.
Mas os resultados do Seca Limite podem ser diferentes, já que o experimento está sendo realizado no sudeste mais quente e seco, em uma área fragmentada por campos de soja e pastagens de gado.
Essas atividades representam uma ameaça mais imediata para a área do que as mudanças climáticas globais, disse Beatriz Marimon.
“As pessoas estão tão focadas em um ponto de não retorno climático que elas se esquecem do ponto de não retorno humano: o trator de esteira que derruba tudo”, disse ela.
“Nem em 1.000 anos uma floresta tratorada vai ser a mesma.”
Edição: Jack Graham e Ayla Jean Yackley
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Foto de capa: Rogério Florentino/Fundação Thomson Reuters
Conteúdo produzido originalmente pela Thomson Reuters Foundation e cedido para a publicação na agência Carta Amazônia. A Thomson Reuters Foundation é o o braço beneficente da Thomson Reuters.
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