A ausência de menção a combustíveis fósseis e desmatamento criticada por organizações socioambientais. “Mapa do caminho” para a transição fora dos combustíveis fósseis, apresentado pelo Brasil e apoiado por mais de 80 países, não entrou no texto principal da Conferência
Da Redação
O secretariado da Convenção do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) divulgou neste sábado (22), durante a COP30, em Belém, o conjunto de decisões finais que será levado à plenária de encerramento, marcada para o final da manhã. Os documentos estão finalizados, mas ainda precisam ser formalmente aprovados por representantes de países que participam do evento.
Nas modificações feitas em relação à versão anterior do chamado “Pacote de Belém”, as organizações sociais apontam avanços em relação aos indicadores de adaptação, mas criticam a ausência de decisões sobre combustíveis fósseis e desmatamento.
Combustíveis fósseis: Resistência e Rota Paralela
O “mapa do caminho” para a transição energética, proposto pelo Brasil e apoiado por mais de 80 nações, não foi incorporado ao texto principal consensual da Conferência. Essa proposta enfrentou forte oposição dos principais países produtores de petróleo, notadamente a Arábia Saudita.
Como resultado, a presidência brasileira anunciará o roadmap como uma iniciativa própria, desvinculada da decisão oficial da COP. Além disso, um texto paralelo sobre a questão dos combustíveis fósseis será divulgado formalmente.
Financiamento e Adaptação: Marcos Estruturais
No campo do financiamento climático, os países aprovaram a estrutura que orientará as próximas negociações. O objetivo é estabelecer o novo alvo coletivo para o financiamento climático pós-2025, com uma trajetória ambiciosa que busca atingir US$ 1,3 trilhão anualmente até 2035 para as nações em desenvolvimento. O documento final enfatiza a urgência de elevar os recursos públicos e o financiamento altamente concessionário para a adaptação.
O maior avanço estrutural foi na Adaptação, com a finalização dos indicadores globais do Global Goal on Adaptation (GGA). Esta era uma definição crucial pendente desde o Acordo de Paris. A implementação desses indicadores está prevista para começar em 2026, com suporte técnico e a possibilidade de revisão dos planos nacionais no próximo ciclo.
Implementação e Metas Globais
A COP30 também fechou os detalhes do “Diálogo dos Emirados Árabes”, um mecanismo estabelecido no GST-1 (Balanço Global) para monitorar a implementação das metas do Acordo de Paris. Este processo técnico será fundamental para orientar a preparação das próximas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) em 2026 e 2027. De forma abrangente, o texto das decisões reforça que a transição para economias de baixas emissões é “irreversível”, mas adverte que as metas atuais ainda são insuficientes para manter a meta de 1,5 grau Celsius de aquecimento global viável. Para impulsionar a ação, foram criadas novas iniciativas multilaterais, como o Global Implementation Accelerator e a Belém Mission to 1.5, que integrarão o ciclo de implementação até 2026.
Decisão demostra traição à ciência e às pessoas, afirma OC
Cientistas de instituições brasileiras e internacionais reagiram com preocupação ao texto final das negociações da COP. Eles afirmam que a ausência explícita da expressão como “desmatamento”e “combustíveis fósseis” representa um retrocesso grave diante da emergência climática. Na avaliação da rede de organizações sociais Observatório do Clima (OC), os documentos são “totalmente incoerente com os objetivos reafirmados de limitar o aquecimento a 1,5°C”.

“Apesar de um grande número de países se unirem em torno de roteiros para acabar com a dependência de combustíveis fósseis e com o desmatamento — e do impulso dado pelo presidente do Brasil — as palavras ‘combustíveis fósseis’ estão completamente ausentes do texto mais recente. Isso é uma traição à ciência e às pessoas, especialmente os mais vulneráveis”, diz o comunicado do OC.
O grupo reúne nomes como o do climatologistas Carlos Nobre, do Painel Científico da Amazônia, Johan Rockström, do Potsdam Institute for Climate Impact Research, além da presidente do Conselho Científico da COP30, Thelma Krug, ex-vice-presidente do IPCC, o painel do clima das Nações Unidas.
Na quarta-feira (19), o grupo já havia criticado o teor dos documentos publicados no início da segunda semana da conferência. Em uma entrevista coletiva, foi divulgado um manifesto chamando de “provocação” as propostas apresentadas até aquele momento sobre combustíveis fósseis e desmatamento.
“Os delegados parecem não entender o que é um roteiro. Um roteiro não é um workshop ou uma reunião ministerial. Um roteiro é um plano de trabalho real, que precisa nos mostrar o caminho, de onde estamos, para onde precisamos chegar, e como chegar lá”, afirmou Rockström, do Potsdam Institute for Climate Impact Research, em trecho do documento.
Lobby dos combustíveis fósseis
Nos últimos anos, um número crescente de lobistas da indústria de combustíveis fósseis tem participado das cúpulas climáticas anuais da ONU. Anteriormente, os líderes dos países anfitriões e os organizadores do evento justificavam a presença desses lobistas alegando que eles desempenham um papel fundamental no apoio à transição verde e que sua cooperação é necessária para atingir as metas climáticas. No entanto, com estudos demonstrando que as empresas de combustíveis fósseis não estão promovendo mudanças suficientes para apoiar a transição verde global, muitos questionam o direito desses lobistas de participar das cúpulas climáticas.
Organizações que acompanham as negociações da COP30 afirmam que há um movimento do bloco de países chamado LMDC (Like-Minded Developing Countries) contra qualquer menção ao uso do termo combustíveis fósseis no texto.
O movimento é liderado sobretudo pela Arábia Saudita e Índia, mas conta com o silêncio da China no tema. Ainda fazem parte do grupo: Argélia, Bangladesh, Egito, Indonésia, Irã, Malásia, Paquistão, Filipinas, Sri Lanka, Sudão, Síria, Vietnã e Cuba.
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Foto de capa: Raimundo Paccó/ COP30
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