Por Guilherme Guerreiro Neto, do InfoAmazonia
Os chefes de Estado dos países amazônicos reúnem-se, nesta terça (8) e quarta-feira (9), em Belém, no Pará, para a Cúpula da Amazônia, que vai definir os rumos da agenda política para a região. O primeiro dia de encontro deve ser marcado pelo anúncio da Declaração de Belém, com as metas comuns aceitas pelos oito países que fazem parte da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).
Além de Luiz Inácio Lula da Silva, o anfitrião, participam da Cúpula presidentes de outros quatro países: da Bolívia, Luis Arce; da Colômbia, Gustavo Petro; da Guiana, Irfaan Ali; do Peru, Dina Boluarte. Equador e Suriname serão representados por ministros de Estado. Nicolás Maduro, da Venezuela, cancelou a participação e em seu lugar participa a vice-presidente Delcy Rodríguez. Equador e Suriname são representados por ministros de Estado.
Essa é a quarta reunião de chefes de Estado da OTCA desde a assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica, há 45 anos. As três primeiras ocorreram em Manaus, Amazonas, em 1989, 1992 e 2009. Será a segunda Cúpula com a presença de Lula como presidente do Brasil, pouco mais de dois anos antes do país sediar, em Belém, a 30a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30.
Nos dias que antecederam a Cúpula de presidentes, a capital do estado do Pará foi palco de debates e reivindicações da sociedade civil nos Diálogos Amazônicos, na Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia e na Cúpula dos Povos Indígenas das Amazônias. Nesta terça, a Marcha dos Povos da Terra pela Amazônia ocupa as ruas nas proximidades do Hangar, o centro de convenções onde estão os chefes de Estado.
Na sexta-feira (4), primeiro dia dos Diálogos Amazônicos, um jovem indígena Tembé foi baleado no município de Tomé-Açu, a cerca de 200 km de Belém, onde empresas do agronegócio encurralam povos tradicionais. Segunda-feira (7), véspera da Cúpula da OTCA, um novo ataque a tiros atingiu os Tembé, pouco antes de uma visita da Comissão Nacional de Direitos Humanos ao local; três indígenas ficaram feridos.
No domingo (6), ainda durante os Diálogos, houve um protesto contra a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. Em maio, o Ibama negou o pedido da Petrobras de perfuração marítima na costa do Amapá. Semana passada, em entrevista a rádios da região, Lula disse que o estudo do Ibama não é definitivo.
Declaração de Belém
Há mais de um mês, os termos da Declaração de Belém vêm sendo negociados entre os países. Alguns pontos de divergência passam por compromissos como o fim da exploração de petróleo na Amazônia e o desmatamento zero. Um consenso que parece acordado diz respeito à necessidade de barrar o ponto de não retorno da Amazônia.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, Marina Silva, considera que há um processo na negociação dos países para a Cúpula. “Esse consenso progressivo está estabelecido em alguns pontos: combater a desigualdade, não permitir que a Amazônia chegue ao ponto de não retorno e trabalharmos conjuntamente, não só do ponto de vista político, mas também do ponto de vista dos instrumentos financeiros, dos processos, da visão e da estrutura que têm que se movimentar na direção de um novo modelo de desenvolvimento para a nossa região.”
Para o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, o modo como alguns pontos-chave vão aparecer no documento, ou mesmo se vão aparecer, será decisivo para dimensionar a relevância da Declaração de Belém. “Um deles é a meta para desmatamento zero na Amazônia, que o governo brasileiro está propondo para 2030. A gente não sabe se essa meta entra ou não. Um segundo ponto é criar uma agência de fiscalização para toda a Amazônia, que combata tanto crimes ambientais quanto crimes de fronteira, como tráfico de armas e tráfico de drogas”, avalia.
“Um terceiro ponto importante é a criação de uma espécie de painel científico para estudar a Amazônia. Há ainda questões de proteção dos povos indígenas, de mais espaços para as mulheres, que têm que ter metas concretas. E a criação de um fundo, um banco, algum mecanismo financeiro para receber doações internacionais”, completa Astrini.
Além da Declaração, a internacionalista e pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (UFPA), Marcela Vecchione, considera importante perceber como a agenda de desenvolvimento sustentável regional irá avançar a partir do que for decidido nas reuniões dos países da OTCA.
“Do ponto de vista da agenda nacional, tem duas grandes questões que a gente está vendo serem discutidas aqui nos Diálogos Amazônicos e que vão ser discutidas na Cúpula, que são energia, como é que você pensa energia transnacionalmente do ponto de vista Pan-Amazônico, e mineração, onde o petróleo se encontra – petróleo é mineração. E essas questões também se conectam com o carbono, que é energia”, explica Vecchione.
A cientista da UFPA acredita que, para a transição ecológica, não basta mudar tipos de atividade sem alterar a escala da produção. “A chave em que a descarbonização está sendo discutida globalmente é em atividades de escala e as atividades de escala, historicamente, foram o que contribuiu com o aumento das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Não só por causa do tipo de atividades, mas pela escala das atividades. As propostas aparecem no sentido de pensar descarbonização de cadeias globais de valor garantindo a continuidade dessas cadeias globais de valor”, critica.
Petróleo na Amazônia
“Petróleo na Amazônia: se vazar, onde o óleo vai parar?”, questionava uma das faixas carregadas por ativistas no protesto contra a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. Comunidades pesqueiras de municípios como Oiapoque, no Amapá, e da Ilha do Marajó, no Pará, seriam afetadas pelas perfurações petrolíferas.
“Essa é uma região muito sensível, tem diversas comunidades tradicionais e povos que vivem muito nessa relação com o rio e com o mar, com o oceano. A gente tem comunidades ribeirinhas e de pescadores, e essas pessoas vivem e dependem das águas. Em caso de acidente, também pode levar a perda de ambientes como os manguezais, seria irreversível”, afirma Flávia Guedes, mobilizadora da frente bacias hidrográficas e oceanos do Instituto Mapinguari.
No Equador, onde a exploração de petróleo segue em expansão e está concentrada na Amazônia, um plebiscito este mês vai decidir a continuidade ou o fim da atividade petroleira no Parque Nacional Yasuní, território de povos indígenas isolados. Desde 2016 o país extrai petróleo no Parque, que é uma área protegida. O plebiscito ocorre junto com eleições gerais antecipadas.
“É uma nova oportunidade para deliberar se queremos continuar ou não com a atividade petroleira. Se dissermos sim na consulta, deverá se desmantelar tudo aquilo que se construiu ilegalmente nos últimos dez anos”, explica Esperança Martinez ecologista, bióloga e advogada que integra a organização Acción Ecológica. Segundo Martinez, que participou dos Diálogos Amazônicos, a história da exploração de petróleo no Equador é desastrosa, com casos de derrames e contaminações.
Uma das propostas dos movimentos sociais, após a Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, pede que haja um plano de transição energética justo, popular e inclusivo, com reparação para os povos e territórios afetados. O documento reivindica ainda, entre outros pontos, um plano de transição para salvar a região da mineração e da poluição causada por mercúrio, a garantia de consulta prévia, livre e informada aos povos e titulação de todas as terras indígenas, quilombolas e tradicionais.
“E que seja criada uma instância que a gente chama de OTCA Social, para que esse acúmulo dos Diálogos Amazônicos e outras demandas sejam debatidas pelos movimentos sociais e povos originários no âmbito da OTCA”, defende João Pedro Ramalho, integrante do Fórum Social Pan-Amazônico e da organização da Assembleia.
Ataques ao povo Tembé
Na última sexta-feira, enquanto, em Belém, governo e sociedade civil abriam a programação prévia à Cúpula dos presidentes, com os Diálogos Amazônicos, em Tomé-Açu o jovem indígena Kauã Tembé, de 19 anos, era baleado na virilha em uma ação de repressão que envolveu seguranças privados da empresa BBF, Brasil BioFuels, que atua na extração de palma de óleo, o dendê.
No dia seguinte, a Cúpula dos Povos Indígenas das Amazônias terminou com um depoimento do cacique Urutaw Tembé, pai de Kauã, que após a violência sofrida foi trazido para a capital e passou por cirurgia. “Hoje nós estamos encurralados, cercado pelo empreendimento do agronegócio, do plantio de palma. Estamos sendo violados, presos dentro das nossas terras. Nós pedimos socorro, apoio dos parentes para que isso não venha ficar impune”, conclamou o cacique.
Segunda-feira, quando indígenas Tembé receberiam visita do Conselho Nacional de Direitos Humanos, houve um novo atentado. Três lideranças foram baleadas, duas eram mulheres. Daiane Tembé, que filmava a ação, veio para Belém em UTI aérea. Os parentes indígenas de várias etnias que estão na capital fizeram um ato, no final da tarde, em solidariedade aos Tembé e pedindo justiça.
Comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas da região do Alto Acará, no Pará, reivindicam a área ocupada pela empresa BBF como terra tradicional e denunciam indícios de grilagem, ausência de zona de amortecimento, despejo de agrotóxicos e falta de consulta aos povos sobre o empreendimento. Para conter a insurgência das comunidades na busca pela retomada das terras tradicionais, a empresa tem reiteradamente empregado violência.
Uma carta de associações indígenas, quilombolas e entidades de direitos humanos ao presidente Lula e ao governador do Pará, Helder Barbalho, denuncia o conflito e pede providências. “Não há transição energética e nem justiça climática sem justiça ambiental, agrária e territorial”, diz o documento, divulgado após o tiro contra Kauã. As comunidades pedem responsabilização dos envolvidos e intervenção da Polícia Federal.
Na noite de segunda-feira, a presidente da Funai, Joenia Wapichana compareceu à Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, prestou solidariedade às famílias dos parentes feridos e informou que havia encaminhado pedido para que as autoridades policiais investiguem, apurem e punam os responsáveis pelos atentados.
Em nota, a empresa BBF alega que os atentados foram reações à invasão dos indígenas, que teriam agredido trabalhadores e incendiado maquinários. A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará informa que o policiamento na área foi reforçado e que as polícias estão em diligências para investigar e identificar os suspeitos.
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Reportagem da InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.