É possível ser contra o crime organizado e condenar a desastrosa ação policial nas favelas cariocas
Sim. O que houve no Rio de Janeiro, na terça-feira, 28 de outubro de 2025, foi um massacre. Um extermínio organizado pelo Estado. E é possível reconhecer isso, sem passar pano para a bandidagem. É possível ser contra o crime organizado e condenar a desastrosa ação policial nas favelas cariocas. Consideramos lamentável que a polarização política que vivemos torne debates tão importantes e complexos como esse, que envolve vidas de seres humanos, algo tão raso.
Partamos, então, do senso comum. Vamos aqui, num exercício meio alucinógeno de aceitar estereótipos como verdade, chegar à conclusão de que todas as pessoas exterminadas pela polícia eram bandidos. É assim que você pensa? Pois, bem. Você, que pensa assim, é capaz de negar que, se não todos os policiais, ou a maioria, pelo menos grande parte dos policiais aceitam propina e, por regra, fazem parte das milícias, e lucram muito dinheiro com a venda de drogas e armas ilegais?
Você provavelmente fica indignado quando é parado por blitz de PMs no trânsito, quando eles só querem uma propina básica. Você, de qualquer grande cidade do Brasil, provavelmente acha o cúmulo que todo mundo saiba que muitos territórios (provavelmente o bairro onde você mora) está dominado por alguma facção criminosa, e a polícia não só sabe desse domínio, como (de acordo com o que você próprio pensa) policiais lucram com esses acertos escusos entre braços do estado e a criminalidade.
Ora, se você arrumar uma ocupação com remuneração de R$ 10 mil, R$ 15 mil, você se imaginaria permanecendo na mesma favela onde vive? Agora imagine um chefe de uma organização criminosa com lucros milionários como essas. Você acha mesmo que ele moraria na favela, que volta e meia passa por operações policiais como essa? Como dizemos no Pará, só se o cavalo mordeu tua cabeça! Então, você nem precisa ser expert em políticas sociais e de segurança pública para concordar que essa operação foi um massacre hipócrita, eleitoreiro, racista e genocida. Você só precisa ser coerente com o que você mesmo, com o que você mesma pensa.
Nós vivemos num mundo onde, dependendo da cor da pele que você tenha; do quão dinheiro você tem na conta, sua vida importa ou não. Vocês lembram da comoção que levou muitos brasileiros a se voluntariarem para defender as pessoas brancas da Ucrânia contra a invasão Russa? Quantas dessas pessoas defenderiam as pessoas pobres da Palestina, constantemente invadida por Israel. Só na última empreitada, foram mais de 60 mil pessoas massacradas. A maioria delas crianças, mulheres e pessoas idosas.
Algo semelhante ocorre nas favelas do Brasil, e em especial no Rio de Janeiro. Quando o governador genocida diz que, das mais de 120 mortes, ele só lamenta o falecimento de quatro policiais, ele diz que as vidas das pessoas da favela não importam. Vejam: quando Castro, do PL, deu essa declaração, o Estado sequer sabia o nome das pessoas. Sequer sabia a quantidade de pessoas. Como ele poderia afirmar algo tão abissal, não fosse a sustentação moral do senso comum, construído ao longo de séculos sobre as pessoas pretas do Brasil?
O Rio de Janeiro é o símbolo máximo do que significou um país ter 388 anos de escravidão. Isso significa aproximadamente 70% do tempo, desde a invasão portuguesa até aqui, marcado por escravidão. Quando houve a abolição, a então capital do Brasil, Rio de Janeiro, era a cidade que mais concentrava escravizados. Após a assinatura da Lei Áurea. Aquelas pessoas “sem eira nem beira” foram largadas à própria sorte. Sem moradia, educação, lazer ou emprego, precisaram sobreviver nos morros, onde os brancos não queriam morar.
Até hoje, o Estado só sobe o morro pra sangrar a carne que nem é a mais barata do mercado. A carne negra, sequer tem valor, quando mais de 120 desses corpos são exterminados com rótulo de bandidos. A grande maioria dos fuzis apreendidos com essas facções nesta famigerada operação policial, inclusive, chegaram às mãos da bandidagem “desviadas” os CACs, a partir da flexibilização do acesso a esses armamentos por elas, graças a Bolsonaro.
A Agência Carta Amazônia defende o cumprimento da lei, para combater crime. Se o Estado age desrespeitando protocolos estabelecidos com base na legislação para combater criminosos, ela o faz com que moral? A pena de morte aplicada neste genocídio, que não existe de direito, mas de fato, inclusive é o maior contra-argumento para quem defende que apenas endurecendo as leis de punição resolveremos o problema. Não há pessoa envolvida no crime que não saiba que pode morrer, sem qualquer julgamento, sumariamente, a qualquer hora.
Que essa operação seja investigada e, caso se comprovem os crimes, que os responsáveis sejam punidos com rigor. Que as forças de segurança integradas sigam descobrindo os braços milionários que sustentam essas organizações criminosas, e os representantes delas no Congresso, na Faria Lima e nos condomínios de luxo sejam presos e respondam por seus crimes. Jamais será aceitável que ceifar a vida das pessoas seja moeda de troca para corridas eleitoreiras, nem para o sionismo de Netanyahu, tampouco para o racismo de Castro e do bolsonarismo.