Por:
Eraldo Paulino e Daniel Vinagre – Agência Carta Amazônia (Pará)
Isaque Santiago e Vanessa Vieira – Correio do Lavrado (Roraima)
Francisco Costa – Voz da Terra (Rondônia)
A Amazônia enfrenta um de seus períodos mais críticos diante das mudanças climáticas, com secas históricas, recordes de queimadas e pressão internacional pela preservação do bioma.
O Amazonas passou pela pior seca em mais de 120 anos; o Acre vivenciou eventos climáticos extremos, com enchente e seca no mesmo ano; no Pará, houve aumento do desmatamento em áreas estratégicas, ao ponto de Santarém ser considerada a segunda cidade mais poluída do mundo na última sexta (29); e em Roraima, os incêndios e a fumaça também prejudicaram a saúde respiratória da população.
Apesar da gravidade da crise ambiental, as eleições municipais na Amazônia evidenciaram uma desconexão entre a urgência climática e as propostas apresentadas, tanto por candidatos eleitos quanto pelos que não obtiveram êxito no pleito.
Candidaturas explícita ou veladamente apoiadoras de megaprojetos, como mineradoras, hidrelétricas e pró-exploração de petróleo, além de aliados do agronegócio, obtiveram êxito. Considerados partidos que historicamente apoiam ou dialogam com entidades ambientalistas, o PSOL perdeu a única capital que comandava, Belém, o PT conquistou apenas 7 prefeituras; o PV e a Rede apenas 1, ou seja, apenas 9 das 450 cidades da Região Norte.
Assim, 98% das cidades do Norte serão comandadas pelo centrão ou pela direita nos próximos quatro anos. Se formos falar da polarização PT x PL, o partido de Bolsonaro vai governar 21 municípios, sendo uma capital, Rio Branco (Tião Bocalom) e uma das principais cidades do Pará, Marabá, mas foi derrotado por aliados do PT em cidades importantes, como Manaus (AM), Belém e Santarém (PA). Já o partido de Lula não governará nenhum grande polo regional.
Ou seja, na Amazônia, se formos considerar os próximos quatro anos de governo, quem vai pautar a questão ambiental e outras políticas serão o centrão, a direita, o agronegócio e as mineradoras que financiaram essas candidaturas.
Mas, mesmo entre os partidos que historicamente dialogam com ambientalistas, a preservação ambiental nem sempre é prioridade. Foi no governo federal do PT, por exemplo, que a usina hidrelétrica Belo Monte foi construída no rio Xingu, sob protestos de comunidades tradicionais, nações indígenas e ambientalistas, algo que nem mesmo a Ditadura Militar havia conseguido, na década de 80. Atualmente senador pelo PT, o ex-Rede e PSOL Randolfe Rodrigues é um dos maiores apoiadores da exploração de petróleo na foz do rio Amazonas.
Sede da COP30 sem discussões sobre clima
Nas eleições para a Prefeitura de Belém, capital paraense que vai sediar a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), em novembro de 2025, os dois principais candidatos na disputa pouco falaram sobre o encontro, que discutirá, dentre outros assuntos, a preservação de florestas e impactos sociais das mudanças climáticas.
O candidato eleito, Igor Normando (MDB), não destacou nenhuma proposta com foco em pautas ambientais no plano de governo. Citou o empenho para a preparação da cidade para COP30, se referindo às obras que já estão sendo feitas, para receber as cerca de 60 mil pessoas esperadas.
Já Éder Mauro (PL), deputado federal e candidato derrotado no segundo turno, buscou distanciar sua imagem do negacionismo climático, ao afirmar que o partido não é contrário às pautas ambientais. Porém, a trajetória do político inclui falas em que nega a relação das enchentes em Belém com a mudança climática e sugere que a crise tem raízes em fenômenos naturais, em oposição a relatórios globais sobre a responsabilidade humana.
No interior do Pará, os eleitos acumulam multas por crimes ambientais. Em São Félix do Xingu, que lidera o ranking nacional de queimadas, Fabricio Batista (Podemos) foi eleito com 15,9 mil votos e soma R$ 2,2 milhões em multas ambientais por desmatamento de 440 hectares de floresta amazônica. Já em Novo Progresso, Gelson Dill (MDB), reeleito com 81,61% dos votos, foi multado em R$ 445 mil por infrações de desmatamento.
No cenário estadual, inclusive, é possível afirmar que o grande vencedor neste certame foi o clã Barbalho que, à exceção de derrotas políticas em cidades importantes como Ananindeua, Marabá e Parauapebas, em que, respectivamente, Doutor Daniel (PSB), Toni Cunha (PL) e Aurélio Goiano (Avante) derrotaram aliados barbalhistas, o que se viu foi a consolidação do poder da família e do partido que comandam o MDB, que venceu em 83 dos 144 municípios, dos quais, a ampla maioria ou é aliada estratégica ou não é oposição declarada.
O governador Helder Barbalho detém no momento poderes quase imperiais no estado, com praticamente nenhuma oposição na ALEPA, nenhum grande inimigo entre os grandes veículos de comunicação, nem mesmo o grupo Liberal da família Maiorana, cuja TV é afiliada à Rede Globo, que nas últimas décadas rivalizava com o grupo RBA dos Barbalho, hoje não pode ser considerada uma inimiga política.
Ainda assim, mesmo que ele desponte como o maior apoiador e incentivador da realização da COP 30, mesmo com todas as obras de infraestrutura que fazem hoje da Região Metropolitana de Belém um grande canteiro de obras, e muitas delas com o selo de “sustentável”, não se vê nenhuma proposta de mudança estrutural ou de paradigma de desenvolvimento no estado.
Ao contrário, segundo reportagem publicada em novembro do ano passado pela Repórter Brasil, Helder é dono de pelo menos 6 mil cabeças de gado, e é confesso defensor do agronegócio e da mineração, apesar de tentar não atrelar diretamente sua imagem a obras polêmicas, como a de exploração de minério na Volta Grande do Xingu, pela Belo Sun, que recentemente teve anulada a aquisição de quase 2.500 hectares de terra destinada à Reforma Agrária de forma irregular junto ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), para extrair ouro numa área já extremamente impactada pela barragem de Belo Monte.
Contudo, também segundo a Repórter Brasil, Hellder recentemente costurou acordo com Belo Sun e mais seis mineradoras para fornecimento de matéria-prima, e, apesar de recentemente não tentar se envolver diretamente no debate a exploração de petróleo no Amazonas, é dado por certo que ele e todos os prefeitos aliados a ele no Pará, especialmente os mais afetados, brigariam apenas pelo tamanho dos royalties, caso as licenças necessárias avancem nos órgãos de controle.
Propostas ambientais superficiais em Boa Vista
Em Boa Vista, capital de Roraima, os quatro candidatos à prefeitura incluíram pautas ambientais em seus planos de governo registrados no Tribunal Regional Eleitoral. No entanto, especialistas apontam que as propostas carecem de profundidade e não abordam adequadamente a urgência climática da região.
Arthur Henrique (MDB), reeleito prefeito de Boa Vista no primeiro turno, destacou ações já implementadas em sua primeira gestão para preservação ambiental. Entre as propostas, estão o programa Praia Limpa, que promove a limpeza de praias e ações para sensibilizar a população sobre o tema, e a Patrulha da Chuva, responsável pela limpeza da cidade para evitar alagamentos no período chuvoso.
Ele também mencionou o Plano de Resíduos Sólidos e a instalação do Centro de Compostagem Público da Amazônia Legal, como forma de garantir uma gestão mais eficiente dos resíduos sólidos.
Apesar de ter um Plano de Resíduos Sólidos e ecopontos – locais que recebem resíduos entregues pela população de forma separada –, a prefeitura não realiza a coleta seletiva do lixo, e tanto resíduos orgânicos como recicláveis, em geral, são recolhidos pelo mesmo caminhão e levados para um único aterro sanitário, que fica fora da área urbana de Boa Vista.
Já entre os candidatos derrotados, Catarina Guerra (União Brasil) propôs a criação do programa “Meio Ambiente Vivo”, com foco na energia solar, coleta seletiva e educação ambiental. Ela também sugeriu a ampliação do uso de energia solar, a construção de um novo aterro sanitário, a implementação de coleta seletiva em toda a cidade e educação ambiental nas escolas.
O candidato do PSOL, Lincoln Freire, apresentou um plano mais detalhado, com medidas contra queimadas e incentivo à governança ambiental, incluindo conselhos de educação ambiental e até mesmo o combate às fake news relacionadas ao meio ambiente. Ele também sugeriu a instalação de usinas de energia solar em comunidades indígenas e um projeto de lei para reconhecimento dos direitos do rio Branco, com o objetivo de fortalecer a proteção dos recursos hídricos.
Mauro Nakashima (PV), se eleito, adotaria uma abordagem baseada na adaptação climática com a criação de uma “infraestrutura azul-verde”, conectando parques, praças e áreas de preservação. Ele também mencionou medidas para implantar a economia circular na gestão de resíduos, programas de arborização e um sistema de monitoramento da qualidade do ar e das águas.
Para o professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e ex-vereador de Boa Vista, Linoberg Almeida, as propostas trazem avanços pontuais, mas ficam aquém das necessidades de adaptação e preparação climática da região, se limitando a temas amplos e com pouco detalhamento.
“No caso de Boa Vista, peguemos o exemplo do prefeito reeleito: o eixo meio ambiente do seu plano de governo apresentado hesita sobre a questão das mudanças climáticas. Pontua sobre questões acerca do lixo, praias e educação, mas sem objetividade e metas a serem atingidas. Mas já é um avanço se comparado ao vazio do debate nos demais municípios”, pontua.
Almeida defende que a inclusão de políticas ambientais deveria ser transversal e integrada a áreas como recursos hídricos e eficiência energética, com foco em resultados tangíveis e mensuráveis.
Ciro Campos, analista do Instituto Socioambiental (ISA), avalia que, apesar de as propostas mencionarem sustentabilidade, como o uso de energia solar e coleta seletiva, faltam diretrizes específicas que tratem das mudanças climáticas como o “novo normal”.
“A Amazônia está em um cenário de extremos, e a governança precisa refletir essa realidade. Sem planejamento e fiscalização robustos, as propostas tendem a se tornar paliativas e insuficientes para a adaptação climática que a região exige”, afirma.
Outro ponto crítico, segundo Campos, é a falta de preocupação com o impacto sentido pelas comunidades indígenas e pela população ribeirinha. Ele destacou que a Amazônia está em um cenário de extremos, e a governança precisa refletir essa realidade.
“O clima virou uma bagunça, alterando os sinais naturais que essas comunidades sempre usaram para saber o momento ideal de plantar, pescar, ou realizar outras atividades. Sem planejamento e fiscalização robustos, as propostas tendem a se tornar paliativas e insuficientes para a adaptação climática que a região exige. Na hora em que ocorre o problema, é muito mais difícil resolver sem uma política pública de longo prazo”, avalia.
Eleições municipais em Roraima dominadas pela direita e centro-direita
Nas eleições municipais de 2024 em Roraima, a direita e centro-direita conquistaram 14 das 15 prefeituras, com Uiramutã sendo a única exceção, mantendo o prefeito Tuxaua Benísio, da Rede Sustentabilidade. A predominância de indígenas na população do município, que alcança 96,6% segundo o Censo de 2022 do IBGE, pode explicar esse resultado.
Nos demais municípios, partidos alinhados à direita dominaram. Boa Vista reelegeu o prefeito Arthur Henrique (MDB). O Progressistas (PP) liderou em sete cidades, incluindo São Luiz do Anauá e Pacaraima, enquanto o Republicanos venceu em seis, como em Bonfim e Mucajaí.
Em seus planos de governo registrados no Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR), todos os prefeitos eleitos apresentaram propostas voltadas para o meio ambiente. Embora a Amazônia enfrente os intensos efeitos das mudanças climáticas, com secas históricas e recordes de incêndios florestais, nenhum dos planos traz preocupações relacionadas às mudanças climáticas e à mitigação de seus efeitos.
Diante da pior seca em 122 anos e de um recorde de 4.787 focos de queimadas em Roraima em 2024, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a ausência de estratégias climáticas preocupa.
Para o sociólogo e ex-vereador de Boa Vista, Linoberg Almeida, é fundamental uma governança ambiental integrada, destacando a importância de uma abordagem climática clara nos planos municipais para enfrentar os crescentes desafios ambientais.
Boa Vista – Na capital, Boa Vista, o prefeito Arthur Henrique (MDB) foi reeleito em primeiro turno com 75,18% dos votos. Em seu plano de governo ele propõe ampliar programas já existentes como o “Praia Limpa”, que realiza a limpeza das praias e campanhas de conscientização ambiental, e a “Patrulha da Chuva”, voltada à prevenção de alagamentos. Ele também abordou a implementação do Plano de Resíduos Sólidos e a instalação de Ecopontos para coleta seletiva, embora as metas para a quantidade ou locais desses pontos ainda não tenham sido especificadas, assim como a ampliação de práticas de compostagem.
Alto Alegre – Em Alto Alegre, Wagner Nunes (Republicanos) foi reeleito com 61,79% dos votos. Ele registrou propostas voltadas à arborização e ao reflorestamento com plantas nativas, mas sem detalhar quantas áreas serão cobertas ou quais seriam as metas para redução da poluição. Entre as intenções, está também a construção de um aterro sanitário e a reestruturação do horto florestal, com produção de mudas.
Amajari – A prefeita Núbia Lima (PP), reeleita em Amajari com 48,82% dos votos, inclui no plano de governo a criação de um sistema de saneamento básico e um plano de gestão de resíduos sólidos, além de práticas sustentáveis para pequenos e médios produtores.
Bonfim – No município de Bonfim, o prefeito Romualdo Feitosa (Republicanos), eleito com 51,36% dos votos, também menciona a construção de um aterro sanitário e a manutenção de ruas, vilas e áreas públicas, como praças e vicinais.
Cantá – No município do Cantá, André Castro (PP) foi reeleito com 51,59% dos votos. Ele incluiu iniciativas de educação ambiental continuada e incentivo à reciclagem, mas sem especificar quais mecanismos ou recursos serão utilizados. A criação de centros de compostagem e ecopontos também aparece no plano.
Caracaraí – Em Caracaraí, a prefeita reeleita com 49,14% dos votos, Diane Coelho (PP), destaca a criação de um horto municipal e de um centro de triagem e reciclagem, além de um aterro sanitário. Ela também apresentou propostas para fortalecer a atividade pesqueira local, com iniciativas para aquisição de pescado destinado à merenda escolar.
Caroebe – Em Caroebe, o prefeito Osmar Filho (Republicanos), reeleito com 60,34% dos votos, propõe iniciativas ambientais como a criação de uma Patrulha Ambiental Mirim, voltada à educação ambiental para jovens de 10 a 15 anos, e o incentivo à regularização ambiental de empreendimentos locais, promovendo geração de emprego. Há ainda previsão de instalação de um aterro sanitário com galpão para separação de resíduos, visando à coleta seletiva gradativa.
Iracema – Em Iracema, a prefeita Marlene Saraiva (Republicanos), eleita com 52,11% dos votos, propõe a coleta seletiva com apoio de associações de catadores, além da construção de um aterro sanitário para descarte seguro de resíduos. O plano inclui projetos de paisagismo urbano, instalação de lixeiras em áreas públicas e um sistema de gestão ambiental em consonância com diretrizes federais e estaduais.
Pacaraima – Em Pacaraima, sob o comando do prefeito Walderi D’Avila (PP), eleito com 46,22% dos votos, o foco das propostas voltadas ao meio ambiente está na implementação de programas de coleta seletiva e incentivo à reciclagem, incluindo a possibilidade de formação de cooperativas para gestão de resíduos. A proposta também aborda a melhoria das capacidades do aterro sanitário, visando um tratamento adequado dos resíduos sólidos e o incentivo ao uso de energias renováveis em prédios públicos e privados.
Rorainópolis – Em Rorainópolis, o prefeito reeleito com 59,48% dos votos, Pinto do Equador (Republicanos), propõe instalar lixeiras em pontos estratégicos para reduzir o descarte inadequado, além de implementar programas de educação ambiental nas escolas municipais. O plano inclui a revitalização de áreas verdes com plantio de mudas, a introdução da coleta seletiva e a criação de uma usina de compostagem para reciclagem de resíduos orgânicos, visando gerar renda.
Mucajaí – O prefeito Chiquinho Rufino (Republicanos), eleito em Mucajaí com 50,89% dos votos, incluiu em seu plano a reestruturação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente para fortalecer os serviços de licenciamento ambiental e julgamento de processos ambientais.
Normandia – No município de Normandia, Dr. Raposo (PP), reeleito com 61,77% dos votos, planeja adotar campanhas de educação ambiental nas escolas, incluindo a gestão adequada de resíduos. Suas propostas incluem o reflorestamento de igarapés e o incentivo à expansão agrícola, com distribuição de insumos e sementes nas margens dos rios e igarapés.
São João da Baliza – Luiza Maura (PP), prefeita reeleita com 79,50% dos votos, em São João da Baliza. Ele propõe a ampliação do turismo rural, integrando agricultores à atividade turística e gerando empregos. Há também planos para a coleta seletiva de lixo doméstico, além de medidas para a preservação das áreas verdes urbanas com espécies ornamentais e nativas.
São Luiz do Anauá – Em São Luiz do Anauá, Chicão (PP), eleito com 59,40% dos votos, propôs diretrizes para a recuperação e monitoramento ambiental, incluindo um sistema de gestão de recursos hídricos voltado à preservação e recuperação de mananciais. Entre as propostas estão a educação ambiental, incentivo a práticas sustentáveis e a implementação de um programa de reciclagem e disposição final correta de resíduos.
Uiramutã – Por fim, o prefeito Tuxaua Benísio (Rede), reeleito em Uiramutã com 59,66% dos votos, pretende implementar ações voltadas para a preservação de nascentes e rios, além de instalar pontos coletivos de lixo em áreas públicas, como feiras e comércios.
Nem grave crise ambiental foi necessária para a pauta ambiental ser destaque nas eleições em Rondônia
As eleições municipais de 2024 em Rondônia agravaram o cenário político local, com avanço de grupos de direita e extrema direita, enquanto pautas ambientais e de direitos humanos foram relegadas a segundo plano. Essa tendência levanta preocupações sobre o futuro e os impactos sociais e ambientais decorrentes dessa nova configuração nas prefeituras e Câmaras de Vereadores.
Cerca de dois meses antes das eleições, Rondônia enfrentou uma grave crise ambiental. A fumaça das queimadas invadiu unidades de conservação e terras indígenas. Setembro foi o mês mais crítico, com 8.137 focos de incêndio registrados em 2024, um aumento de 106% em relação ao mesmo período de 2023, que contabilizou 3.941 focos entre 1º de janeiro e 15 de setembro. Foi o pior cenário dos últimos cinco anos, com o estado registrando o maior nível de poluição mundial. A seca do Rio Madeira também foi a mais intensa em 50 anos, deixando centenas de ribeirinhos ilhados e desassistidos, sem água e comida.
“Ninguém respeita mais, mete fogo e deixa rolar. Há 42 anos eu pegava peixe no rio Madeira para comer. Hoje já não dá mais, está muito poluído. As águas acabando, as doenças aparecendo por motivo dessa água e queimadas. A gente não tem como respirar o ar, como era antigamente. A chuva está desaparecendo e ninguém faz nada para fiscalizar e proibir esses crimes”, lamenta Roberto Pasqualotti, agricultor familiar que mora na área rural de Porto Velho.
O Ministério Público apontou que a União, a Prefeitura de Porto Velho e o governo estadual foram omissos na gestão da crise ambiental que assolou Rondônia neste ano. Movimentos sociais protestaram, e as instituições enfrentaram ações judiciais por não atuarem para mitigar os impactos das mudanças climáticas. O Estado terá que pagar mais de R$ 600 milhões de multas por não proteger a natureza e as populações da floresta. Enquanto isso, as pautas ambientais foram praticamente ignoradas pelos candidatos durante as campanhas eleitorais, refletindo a falta de compromisso com questões climáticas.
O Partido Liberal (PL) e o União Brasil se consolidaram como forças dominantes nas prefeituras e câmaras municipais de Rondônia. No primeiro turno, o PL elegeu 12 prefeitos, enquanto o União Brasil conquistou 16 prefeituras, das 52 cidades. Em contraste, siglas ligadas à esquerda, como o Partido dos Trabalhadores (PT), não obtiveram vitórias expressivas, perderam prefeituras e elegeram apenas seis vereadores em cidades pequenas. Essa ascensão de grupos de direita resultou na marginalização de discussões sobre meio ambiente, direitos sociais e humanos, com uma priorização de agendas conservadoras e o fundamentalismo religioso.
“Na eleição municipal o que a gente viu foi um arrefecimento da polarização em nível nacional. Tanto é que (Jair) Bolsonaro veio aqui (junto com a Michele Bolsonaro) e não teve sucesso”, analisa o cientista político João Paulo Viana.
Em Porto Velho, a capital do estado, o segundo turno das eleições municipais foi disputado entre Léo Moraes (Podemos) e Mariana Carvalho (União Brasil). Léo Moraes foi eleito com 56,18% dos votos válidos, enquanto Mariana Carvalho obteve 43,82%. A abstenção no segundo turno chegou a 30,63%, um aumento em relação ao primeiro turno, que registrou 25,86%. Os votos brancos e nulos somaram 2,74% e 4,17%, respectivamente, no primeiro turno. Moraes venceu uma aliança de 12 partidos e o apoio do atual prefeito da Capital, Hildon Chaves (PSDB), do governador Marcos Rocha (UB), 23 vereadores eleitos, parte da bancada federal e estadual.
“A questão climática e socioambiental não estava no discurso tanto dos candidatos a prefeito da Capital como do interior do estado. Os prefeitos ignoram isso, porque acham que talvez seja uma pauta ideológica ou da esquerda. Quando na verdade não é. Precisamos de prefeitos que trabalhem tanto as mitigações às mudanças climáticas como as adaptações aos fenômenos climáticos”, diz o biólogo Paulo Henrique Bonavigo.
A ausência de propostas voltadas para o meio ambiente e direitos humanos nas plataformas dos candidatos eleitos pode agravar problemas já existentes em Rondônia. O estado enfrenta altas taxas de desmatamento e conflitos fundiários que afetam comunidades tradicionais e indígenas. Sem políticas públicas focadas nessas questões, há o risco de intensificação da degradação ambiental e violação de direitos fundamentais.
Análise socioambiental
O sociólogo e ex-vereador Linoberg Almeida, da Universidade Federal de Roraima, analisou as propostas dos prefeitos eleitos e destacou a superficialidade da agenda ambiental na maioria dos planos de governo apresentados. Ele observa que, embora os prefeitos mencionem o meio ambiente em suas pautas, há pouca objetividade em termos de metas concretas e cronogramas de implementação.
“A pauta ambiental deve ser uma preocupação municipal e não apenas estadual ou federal. Governança ambiental precisa de uma grande ação transversal em todas as esferas de decisão, e isso está ausente na maioria das propostas apresentadas,” afirmou.
Almeida aponta a falta de profundidade nos planos como um reflexo do empobrecimento das discussões eleitorais, onde vota-se na imagem e não no conteúdo programático. Ele destaca que Boa Vista, por exemplo, menciona programas de conscientização e a instalação de ecopontos, mas sem metas específicas para essas ações.
Complementando essa análise, Ciro Campos, analista do Instituto Socioambiental (ISA) em Roraima, avalia que a inserção de questões climáticas na agenda política é ainda de baixa intensidade, afirmando que essas pautas ainda não são prioridade para a base de eleitores que cobra dos prefeitos.
Campos ressalta também a necessidade de equipar os órgãos de controle ambiental para que possam atuar de forma preventiva, citando a importância de fortalecer as Secretarias Municipais de Meio Ambiente para enfrentar situações como as queimadas.
Ele pontua que ações de fiscalização, como as mencionadas para os aterros sanitários e coleta seletiva, são insuficientes sem um planejamento de longo prazo que considere os eventos climáticos extremos como o novo normal. “Climáticos de forma preventiva, com políticas públicas estruturadas para lidar com esses problemas antes que se tornem emergências,” declarou.
Entre os órgãos de controle, está o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), fundado em 2007, quando a titular do Ministério do Meio Ambiente era Marina Silva, acreana e defensora da pauta ambiental, que dizia e diz carregar o nome do seringalista homenageado.
“Quando foi criado, as lideranças de áreas de conservação precisavam estar na gestão ICMbio, que foi criado para criar e gestar esses territórios, mas hoje em dia não temos voz nesse órgão, que como outros como Incra e Ibama servem como porta de entrada de multinacionais para extraírem nossas riquezas, como se a mitigação fosse o único caminho para essas comunidades”, avalia Osmarino Amâncio, contemporâneo de lutas de Chico Mendes.
Essa onda de mitigação, como crédito de carbono, royalties e outros similares, segundo Amâncio, vai de encontro ao que defendia Chico Mendes, e é, segundo o próprio, um dos motivos pelos quais, no Acre, o único estado em que o PT já esteve ao mesmo tempo governando 90% dos municípios, tinha o governo na mão e os três senadores da república seja hoje o estado da Amazônia onde o lulismo tem mais rejeição. “Eles colheram o que plantaram. Hoje a CUT, a CTB, os sindicatos e associações de uma forma geral atuam com um pragmatismo que não leva em consideração os impactos reais à biodiversidade que essas empresas causam. Se preocupam com quanto vão ganhar com isso”, denuncia.
Hoje filiado à CSP-Conlutas, Amâncio defende que Marina é uma eco-capitalista, e está entre as lideranças que defendem que é possível, dentro da lógica capitalista, mitigar impactos, garantir o lucro das multinacionais e ao mesmo tempo trazer desenvolvimento para as comunidades. “Primeiro que a própria palavra ‘desenvolvimento’ significa o não envolvimento das comunidades. Infelizmente hoje a gente não vê sendo pautado pela grande mídia, pelos governos, nem mesmo nas universidades a crítica a esse sistema”, afirma.
Segundo o seringueiro, em governos de frente popular, de coalizão, como o PT, é que costumam avançar com mais força pautas polêmicas como a Lei de Florestas Públicas (11.284/2006), que com a chancela de Marina, para o ex-companheiro de Chico Mendes é a legalização do loteamento da Amazônia com concessões de áreas de floresta. “Você cria uma lei que legaliza o loteamento das nossas florestas, dos nossos rios, e ao mesmo tempo enfraquece os órgãos de controle, e isso resulta no que estamos vendo, que são contratos que não cumprem nem ao menos os parâmetros já frágeis exigidos por lei”, conclui.
A visão de Amâncio dialoga com o que defende a professora doutora Edna Castro, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da UFPA. Durante o Terceiro Seminário Nacional “Serviço Social e a Pesquisa na Amazônia: Desigualdades sociais, expropriação da natureza e desafios frente às mudanças climáticas”, ela defendeu que, infelizmente, o imaginário construído pelos colonizadores da Amazônia segue ditando a forma como os grandes centros econômicos, e até mesmo a maioria da população amazônida enxerga esse território.
“Por todos esses séculos a passagem e a fixação de diferentes grupos sociais e de diversas formas de exploração econômica dos recursos, tais como as drogas do Sertão, a madeira, a caça e a pesca, os minérios os frutos e as terras, seja nas plantações de várzea ou de terra firme, na plantação de cana de açúcar, tabaco, mesmo que fosse de uma intensidade reduzida, mesmo que o impacto sobre a natureza fosse pequeno, o teor central do modelo já era o saque da natureza”, argumenta.
Para ela, com o passar dos anos esse processo vai se tornar mais intenso, não só quanto ao volume de extração, mas também no sentido da velocidade com que esses materiais se deslocam a grandes distâncias. “Para sustentar ideologicamente esses saques, foram criados muitos mitos sobre a Amazônia, como de que a Amazônia é o novo eldorado, uma fonte interminável de ouro, a Amazônia como lugar do exótico, do verde, do crédito de carbono”, avalia a professora, que percebe ao longo dos anos esse debate sendo silenciado até nas produções acadêmicas.
Durante as eleições municipais, portanto, a efemeridade, a forma rasa ou a ausência da questão ambiental refletiram esses mitos, e essa falta de profundidade no debate sobre que modelo econômico e qual gestão ambiental defendem os povos da Amazônia. Ao ponto de que, nem mesmo com a COP 30 essa agenda socioambiental ganhou ao menos um verniz mais vistoso. A COP, inclusive, já é reconhecida por ser um espaço em que nem mesmo os recursos para mitigação de impactos dessas empresas é suficiente.
A COP 29, em Baku, no Azerbaijão, aprovou apenas US$ 300 bilhões de financiamento climático por ano até 2035, muito longe do US$ 1,3 trilhão reivindicado pelos países emergentes. Com a eleição de Trump, o avanço da extrema direita e do negacionismo climático, a COP 30 tende a ser mais um espaço em que as grandes potências econômicas vão defender os próprios interesses, enquanto as emergências climáticas provocam secas em grandes rios, queimadas e inundações que afetam principalmente as populações mais vulneráveis.
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Foto de capa: Christian Braga / Projeto Saúde Alegria