Quinta carta da COP30 marca uma mudança significativa na narrativa da conferência, reconhecendo as populações historicamente marginalizadas e as posicionando como protagonistas na agenda climática global

Por Adison Ferreira

A presidência brasileira da COP30 publicou, nesta terça-feira (12), a quinta carta destinada à comunidade internacional. No documento, o embaixador André Corrêa do Lago afirma que as comunidades tradicionais, povos indígenas, mulheres e populações periféricas são as mais vulneráveis aos efeitos da crise climática e que por essa razão precisam ocupar o protagonismo nas discussões da agenda de respostas às mudanças do clima.

O comunicado marca uma mudança significativa na narrativa da conferência, reconhecendo as populações historicamente marginalizadas e as posicionando como agentes fundamentais da transformação necessária para a mitigação das mudanças climáticas e o desenvolvimento sustentável.

“Esta é uma carta para as pessoas – para experiências vividas, agência e liderança das pessoas na linha de frente da mudança do clima, especialmente aquelas em situações de vulnerabilidade. Não são vítimas passivas da mudança do clima, mas líderes vivos do cuidado, da resiliência e da regeneração. Seu papel de guardiãs da terra, da cultura, do conhecimento e da solidariedade não é um legado do passado, mas um exemplo de formas de relação mais harmônicas com a Natureza como modelo para um futuro comum”, afirma um dos trechos do documento.

O comunicado destaca que os assuntos tratados na Conferência—como mitigação, adaptação, financiamento, tecnologia e capacitação— significam “antes de tudo, enfrentar desigualdades estruturais, acabar com a fome e combater a pobreza, promovendo o desenvolvimento sustentável, os direitos humanos a igualdade, inclusive racial e de gênero”.

A agencia Carta Amazônia foi um dos veículos convidados pela Presidência da COP30 para uma coletiva de imprensa na segunda-feira (11), véspera da divulgação do comunicado, o quinto destinado à comunidade internacional. Segundo a organização do evento, essas cartas integram a estratégia brasileira para mobilizar e alinhar temas em preparação para a 30ª sessão da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), realizada em novembro deste ano, em Belém. Até o dia da conferência, duas novas cartas da COP30 ainda devem ser publicadas.

Inicialmente, a entrevista seria com André Corrêa do Lago, que foi substituído no último momento pela diretora executiva da COP30, Ana Toni, por questões de agenda, de acordo com informações da assessoria.

Na conversa com os jornalistas, Toni reforçou a proposta da quinta carta e disse que a COP na Amazônia deve ser um momento da virada para que todas as populações vulneráveis e historicamente marginalizadas sejam reconhecidas, de fato, como detentores de direitos e atores fundamentais na agenda climática global.

Sem participação efetiva nos espaços de decisão climática

 “A COP coloca essas populações no centro [do debate], mas é importante lembra que a COP é uma reunião de países, de Estados-membros. Então, não tem uma participação das populações tradicionais, da população indígena, pelo fato delas não serem Estados membros não serem estados. Nesse sentido, o que tem sido incorporado pela presidência da COP, como no caso dessa carta, é a voz das populações, o que é possível dentro da convenção”, afirma Ana Toni.

A participação efetiva das populações originárias e comunidades tradicionais nos espaços de discussões da COP é uma solicitação da NDC indígena (Contribuição Nacionalmente Determinada indígena), formulada por lideranças dos nove países da Bacia Amazônica. O documento publicado em junho deste ano, durante a Pré-COP Indígena, em Brasília, elenca como prioridades para a COP30 o reconhecimento e proteção de todos os territórios indígenas como política e ação climática, o financiamento direto e autonomia financeira, inclusão de sistemas de conhecimento indígena como estratégias de mitigação, adaptação e restauração ambiental, além da representação e participação efetiva nos espaços de decisão climática.

A diretora executiva da COP30 ressaltou o papel do “Círculo dos Povos”, liderado pela ministra Sonia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas, como uma alternativa para ampliar a representação de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais junto à Presidência da COP30. Segundo Toni, iniciativa, que é complementar às instâncias já existentes de participação desses grupos, tem entre seus objetivos garantir que os conhecimentos tradicionais sejam respeitados e mais integrados ao debate internacional sobre clima e em soluções climáticas.

“Apesar das comunidades não participarem de forma efetiva nos espaços de decisão, existirão outros espaços na conferência como nos pavilhões dos povos indígenas e na reunião de líderes. Em 2023, na COP de Dubai, teve pela primeira vez uma ministra indígena, a Sônia Guajajara, como chefe da delegação, orientando todos os diplomatas. Parece que são ganhos pequenos, mas que muda 100% a perspectiva de como se olhar para essa questão”, ressalta Toni.

Para a diretora executiva da COP30, a participação da ministra Sônia Guajajara nesses debates é uma oportunidade de levar o olhar dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais para combater o preconceito e a invisibilidade nesses grupos nos espaços de discussão da conferência.  “Ter o Círculo dos Povos muito próximo da presidência nos ajuda a dar voz e essa representação direta deles na presidência da COP”, ressalta.

O “Círculo dos Povos” integra os quatro círculos de liderança voltados a alavancar temas-chave para o futuro do combate à mudança do clima e a mobilização global com vistas à conferência, que será realizada em novembro. De acordo com a Presidência da COP30, os grupos facilitam debates sobre financiamento climático, povos e comunidades tradicionais e indígenas, governança climática e mobilização global.

Os círculos têm o objetivo de acelerar a implementação do Acordo de Paris e incentivar a ação climática para além das duas semanas da COP e da Convenção do Clima, avançando o chamado por um mutirão global contra a mudança do clima. Cada grupo atua de forma independente e paralela às negociações, com trabalhos que auxiliam a Presidência da COP30.

Conferência sobre Mudanças Climáticas será realizada em novembro deste ano, em Belém. (Foto: Setur/Gov. Pará)

Justiça Climática

Outro ponto abordado na quinta carta da Presidência da COP30 é a inclusão do tema justiça climática nos debates da conferência. “É hora de lembrarmos que justiça climática começa com pessoas. Que território não é apenas terra, mas memória, identidade, governança e futuro. Que ancestralidade não é passado, mas uma inteligência que orienta. Que conhecimento ancestral é vital para a sobrevivência e o florescimento da humanidade”, afirma embaixador André Corrêa do Lago.

O documento, assinado por Lago, também ressalta que os impactos da crise climática atingem muito mais as populações mais vulneráveis, trazendo o racismo ambiental para o centro desse debate. “À medida que os efeitos adversos da mudança do clima afetam cada vez mais indivíduos e comunidades ao redor do mundo, sabemos que os impactos são sentidos de maneira mais aguda por aqueles já em situação de vulnerabilidade, seja por fatores geográficos, pobreza, gênero, idade, raça, etnia, pertencimento a povos indígenas ou a minorias, nacionalidade ou origem social, nascimento ou deficiência”.

Leia, abaixo, a íntegra da Quinta Carta da Presidência da COP 30

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Foto de capa: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil