Por Cecilia Amorim

“A sexualidade faz parte da vida desde o nascimento. É um ciclo de aprendizado e construção sobre a relação com o próprio corpo, que deve ser validado e respeitado como parte importante do amadurecimento humano. A sexualidade não caracteriza um tema adulto”. É o que afirma a psicóloga Ana Julia Góes, 44. Há 19 anos Ana atende crianças vítimas de violência sexual no ParáPaz da Santa Casa de Misericórdia do Pará. Segundo a profissional, a falta de conhecimento da criança em relação ao seu corpo a torna mais vulnerável. Pensando em criar uma ferramenta que auxilie pais e educadores a trabalhar o tema, a psicóloga lançou o livro Pingo e Lili. Em entrevista ao Carta Amazônia, Ana Júlia falou sobre o livro e a importância de trabalhar o tema desde a primeira infância.

Como surgiu a ideia do livro?

A ideia do livro surgiu da minha observação de que as famílias não tem uma ferramenta que estimule como elas irão falar com as crianças sobre o corpo, sobre a relação que as crianças irão ter com o próprio corpo e com o corpo do outro. Eu percebi a sociedade e os pais bem imaturos, sem ferramentas para isso, então eu decidi criar um livro que fosse uma ferramenta tanto para os profissionais, como também para os cuidadores que podem ser avós, tios, pais. Todos que estão envolvidos no ciclo de construção da criança.

Como foi o processo de pesquisa e criação do livro?

A pesquisa se deu em livros onde eu pude entender um pouco sobre as temáticas da construção do desenvolvimento infantil. A criação do livro se deu de forma muito prática porque eu juntei a experiência que eu tinha no consultório particular e no ParáPaz com as crianças, mais o arcabouço teórico estudando esses dezenove anos sobre o desenvolvimento infantil, sobre a construção do corpo infantil para as crianças, sobre como a sociedade ver o corpo infantil. Eu juntei isso com a experiência que eu observava sobre quais eram os temas que chamavam a atenção das crianças para que elas pudessem falar do corpo de uma forma leve, solta e imatura. Desconstruída de padrões, de temores, de proibições e de preconceitos. Então, eu percebi que as crianças gostam muito de mar, de água, de piscina. Por isso que o livro fala de piscina, do banho de piscina, do mar. Eu percebi que eu precisava falar muito sobre algum objeto simbólico que representasse a segurança e o conforto, e aí eu usei o ursinho que cada criança tem e que seria o primeiro objeto de apego depois dos pais. Aí eu pensei no lar, na casa, como falando do que é seu, sua propriedade.

Como a experiência em consultório contribuiu na formulação do livro?

A experiência foi essencial, foi o ponto de partida. Porque a partir do momento que eu passei a entender melhor o que chama a atenção das crianças, o que gera medo, o que gera curiosidade, o que gera conforto também para você poder explicar para elas o que é o toque confortável e o que é o toque desconfortável e isso a gente acaba aprendendo só na prática mesmo. Então isso foi essencial. Os atendimentos no ParáPaz e no consultório foi a base de tudo isso.

Qual a importância de trabalhar educação sexual com crianças e adolescentes?

Eu costumo chamar de construção acerca da relação que você tem com o corpo, porque eu acho que o entendimento na infância fica mais leve. A importância disso é que a relação com corpo, o entendimento de o que é o seu corpo, como você deve se relacionar com o seu corpo, como é que o seu corpo se mostra para as pessoas no mundo. Isso vem primeiro no seu desenvolvimento. Primeiro você tem uma autoimagem, depois você vai levar essa autoimagem para o mundo. Penso que na verdade é essencial a relação que você tem com o corpo. A forma que você utiliza esse corpo ela vai determinar a sua história, ela vai determinar o seu trâmite pela vida, o seu desenvolvimento profissional, social, afetivo, psicológico, físico e espiritual. Costumo dizer que aí é o ponto. Falando um pouco mais sobre a importância de se trabalhar educação sexual com crianças e adolescentes, é que você constrói a ideia de que o corpo é seu. Você constrói o empoderamento e assim você ameniza as violências, você gera mais segurança, você empodera crianças e adolescentes, você empodera famílias, você fomenta dentro das famílias e na sociedade. Então, existe uma função social muito forte nessa ideia da educação sobre o corpo.

Qual seu principal objetivo com a publicação do livro?

Meu principal objetivo foi construir uma nova vertente de como famílias e profissionais podem comunicar para as crianças ensinando-as de como elas vão se relacionar com o corpo. Foi mudar o padrão de comunicação. Foi gerar uma comunicação leve e não uma comunicação preconceituosa, pesada. Uma comunicação que não deixava eles desconfortáveis ao escutar. Esse foi o objetivo.

 

Serviço:

A publicação foi lançada em 2022 e este ano chegou à terceira tiragem. O livro pode ser adquirido diretamente com a autora através do perfil @anajuliamoreira no Instagram.