A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) estima 2,5 mil indígenas do país na cidade. Lideranças cobram maior representatividade nas negociações e a inclusão da demarcação de terras como política climática.

Por Julie Pereira

Os povos indígenas ocuparam a cidade de Belém para participar da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que iniciou nesta segunda-feira (10). De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), cerca de 2,5 mil representantes devem estar na cidade durante a conferência, o maior número já registrado em uma COP. Apesar disso, apenas 14% deles (360) conseguiram credenciamento para a Zona Azul, área restrita onde ocorrem as negociações oficiais.

O recorde anterior de participação foi registrado em Paris, em 2015, e em Dubai, em 2023, quando foram contabilizados cerca de 350 integrantes de povos originários, segundo a organização da COP30.

A presença expressiva é resultado de ferramentas criadas pelo Brasil para incluir a maior quantidade de povos no debate climático. Entre elas estão o Círculo dos Povos, instância representativa de grupos quilombolas, tradicionais e indígenas, um pavilhão na Zona Verde voltado para eles, e a Aldeia COP, acampamento organizado para receber os participantes a partir desta terça-feira (11).

Os participantes indígenas do Brasil entram na conferência como party overflow, categoria que permite ao país incluir representantes além da delegação oficial informada à Organização das Nações Unidas (ONU). As 360 credenciais foram repassadas à Apib, que recebeu indicações das organizações regionais e encaminhou a lista final ao Itamaraty.

Quem recebe esse tipo de credencial pode circular pelos espaços de negociação, mas não tem direito a discurso, voto ou participação em reuniões fechadas. Mesmo assim, acompanha de perto as delegações, o que dá a chance de conversar com técnicos do país, participar de eventos paralelos e expor o que desejam ver nas negociações.

Toya Manchineri, coordenador da Coiab, em entrevista coletiva, durante a abertura da COP. (Foto: Kaiti Gavião/COIAB Crédito: Roberto Souza)

Para o coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Toya Manchineri, a participação ainda não é suficiente. Eles querem fazer parte da delegação do país. “O interessante para a gente seria se a gente pudesse participar como negociador na Delegação Oficial dos Países, né? Porque aí sim ia mudar. Conversando com a ministra Sônia, eu falei para ela: ‘ministra, vamos fazer esse trabalho para que o governo brasileiro possa considerar lideranças indígenas nas delegações oficiais para fazer as negociações’. Seria uma COP diferente”, disse.

O jovem indígena Lucas Tupinambá, do Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns, da aldeia Santo Amaro, no Rio Tapajós, levou dois dias para chegar, de navio, à COP30. Ele participou da plenária de abertura da conferência nesta manhã. Lucas denuncia que o rio Tapajós está rodeado de dragagens. São embarcações que fazem extração de minérios no rio. Além disso, também exige medidas de mitigação e de adaptação climática.

No primeiro momento, Lucas  disse que se impressionou com a instalação da  COP30, e criticou o formato distante das populações locais. “Começa que para estar aqui precisa de um credenciamento, na minha região só foram duas pessoas. O processo deve também ser custoso. Eles não estão abertos a escutar quem precisa ser escutado”, disse.

Ele está especialmente preocupado com a pauta do petróleo e da exploração dos recursos naturais na Amazônia. “Nós temos que ficar antenados, porque tem muitos eventos em toda a extensão do dia. Então, é necessário que a gente, como movimento social, aqui nesse espaço, a gente fique atento e saiba onde estão discutindo. Porque antes de qualquer discussão sobre petróleo, sobre a escavação dos rios da Amazônia, sobre privatização, sobre qualquer coisa que possa prejudicar os direitos dos povos da Amazônia, tem que nos ouvir”, afirmou.

O que eles querem

A APIB, principal organização indígena do país, tem um objetivo muito claro para a conferência: incluir a demarcação de terras indígena como política climática nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) do Brasil.

Essa articulação ocorre há dois anos, por meio da campanha ‘A resposta somos nós’, que já alcançou indígenas de todo o mundo. “A nossa mensagem central é mostrar que a demarcação e a proteção territorial são políticas de enfrentamento à emergência climática. Isso precisa não só ser reconhecido, mas posto em prática pelos grandes líderes globais, principalmente no nosso caso, o Brasil”, diz Kleber Karipuna

Essa é a pauta que a organização tem levado aos debates e eventos, como a Pré-COP, realizada em Brasília, e a Semana do Clima, em Nova York. Também foi apresentada no Ciclo COParente, uma iniciativa dentro do Círculo dos Povos, conduzida pelo MPI e pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que ocorreu de forma itinerante nos territórios.

COP30 tem 360 pessoas indígenas credenciadas na Zona Azul e nenhuma na delegação oficial do país. Foto: Luis Ushirobira/InfoAmazonia

Na plenária de abertura desta segunda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez coro ao pedido da APIB, convocando a comunidade internacional a “reconhecer o papel dos territórios indígenas e de comunidades tradicionais nos esforços de mitigação”.

Essa fala já apontou caminhos possíveis. Para Toya Manchineri, a luta é tentar convencer todos os países e colocar a medida no texto final da COP30. “Isso para nós já é uma vitória o presidente considerar esse reconhecimento. Agora, vamos ver se ele influencia os outros presidentes”, disse.

Programação indígena

Na COP, as organizações indígenas participam de várias plenárias. Estão em debates sobre proteção territorial, impactos dos eventos extremos, mineração, adaptação e saúde, entre outros temas.

Nesta edição, a presidência da COP30 também criou uma instância denominada Círculo dos Povos, liderada pela ministra Sônia Guajajara. O Círculo inclui duas comissões principais: a Comissão Internacional Indígena, composta por representantes de povos indígenas de todo o mundo, e a Comissão Internacional de Comunidades Tradicionais, Afrodescendentes e Agricultores Familiares, que reúne representantes de 16 países da América Latina.

O Círculo conta com um pavilhão na conferência, onde ocorrem debates sobre justiça climática, com destaque para as organizações de base da sociedade civil, que compartilham saberes dos territórios dos quais fazem parte.

Além disso, a partir desta segunda, começaram a montar um acampamento chamado Aldeia COP, construído na Universidade Federal do Pará (UFPA), com apoio do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). No local, devem ocorrer plenárias de debates sobre mudanças climáticas e impactos nas terras indígenas

O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) estima a presença de 3 mil pessoas, de povos diversos do Brasil e do mundo. “Tivemos uma aproximação muito boa com a presidência da COP, que garantiu essa participação, essa visibilidade dos povos indígenas. E creio que isso vai trazer um legado não só em termos de participação. Acho que ter conquistado um grande público de participação indígena nessa COP30, no Brasil, é um feito histórico, inédito, tanto para a atuação na Zona Azul quanto em vários outros espaços”, diz Kleber Karipuna, coordenador executivo da APIB.

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Foto de capa: : Luis Ushirobira/InfoAmazonia

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