Organizações indígenas e quilombolas da região amazônica criticaram uma declaração do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB) realizada na abertura do estande da Confederação Nacional da Indústria (CNI) durante a COP29, em Baku, no Azerbaijão.
O governador sugeriu que a regulamentação do mercado de carbono poderia permitir que os indígenas “não precisem bater na porta da Funai para pedir recursos” e afirmou que “a repartição do carbono oriundo das áreas indígenas permitirá com que estes povos possam se alimentar, possam sonhar e possam ter qualidade de vida sem ter que propor como solução para comunidades indígenas fazer extração de minério e minério ilegal em áreas indígenas”.
Entidades representativas de povos tradicionais da Amazônia consideraram que a fala do governador “demonstra uma visão preconceituosa e desinformada sobre a realidade dos povos tradicionais”. Representantes de mais de 20 organizações assinaram uma nota de repúdio na qual afirmam que Helder Barbalho ignorou o fato de que “as comunidades vivem, manejam e preservam a floresta há milênios, utilizando a biodiversidade, a água e a terra para garantir sustento com autonomia e abundância”.
A nota afirma que os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos da Amazônia têm um modo de vida que não depende de projetos de mercado de carbono ou de subsídios governamentais para sobreviver. “Nossa alimentação saudável, baseada em conhecimentos tradicionais, é fruto do trabalho cuidadoso com os recursos naturais, livres de contaminações químicas e de mercúrio. Além disso, nossos povos contribuem de forma plural para a sociedade, com representantes que são escritores, médicos, advogados, professores, cientistas e parlamentares, promovendo nossa cultura e saberes para além dos limites das comunidades. A “bioeconomia” que o governador propõe vender como uma novidade ao mercado global é, na verdade, um modo de vida que praticamos há gerações”, destaca o documento.
A declaração assinada por 25 organizações afirma que a fala do governador reforça uma visão reducionista e colonialista sobre as comunidades tradicionais, como se fossem meros dependentes de políticas de governo, ao invés de reconhecer nossa autonomia, saberes e práticas sustentáveis.
“O mercado de carbono, ao contrário do que foi afirmado, não pode ser imposto como única solução de desenvolvimento para as comunidades tradicionais, sem que haja consulta prévia, livre e informada, em respeito à Convenção 169 da OIT. As comunidades e povos precisam continuar mantendo sua autonomia na gestão de seus territórios, pois é isso que tem garantido um futuro sustentável com respeito à biodiversidade existente na Amazônia. A imposição de tais projetos, sem diálogo e sem respeito aos direitos constitucionais das comunidades, desrespeita nossa história, nossa luta por autonomia e coloca em risco o direito ao território das futuras gerações”, ressalta a nota de repúdio.
O documento finaliza com “Exigimos que o governador Helder Barbalho e o Governo do Estado do Pará respeitem o direito de consulta e o protagonismo das comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas na formulação de políticas e projetos que afetem diretamente nossas vidas e territórios. Que cessem as falas coloniais e as soluções impostas sem diálogo e respeito aos nossos direitos, e que sejam reconhecidos os saberes e práticas que já sustentam a Amazônia e garantem a vida em harmonia com a floresta”
Em nota enviada à imprensa, a Secretaria de Comunicação do Pará (Secom) informou que o Governo do Estado atua de forma intensiva para recuperar e ampliar os direitos e costumes dos povos indígenas e tradicionais, ameaçados nos últimos tempos por iniciativas diversas.
O documenta destaca que a gestão de Helder Barbalho está construindo há dois anos, o sistema de geração de créditos de carbono com a participação ativa de indígenas, quilombolas, extrativistas e comunidades tradicionais.
“Nos próximos meses, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) inicia uma nova fase de diálogo com essas populações sobre a destinação de quase R$ 1 bilhão de reais da venda de créditos de carbono, realizada no último mês de setembro, junto à Coalizão LEAF (parceria público-privada) para preservação e recuperação do meio ambiente. O objetivo do Estado é que, com essa ação, estas populações sejam, devidamente, remuneradas pelos serviços já prestados na preservação do bioma amazônico. O Governo do Pará compreende que a devida remuneração destes serviços prestados historicamente por estes povos é um passo importante dos países poluentes rumo à uma correção histórica”, afirma a nota do governo.
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Foto de capa: Thalmus Gama / Ag. Pará