Por Guilherme Guerreiro Neto, do InfoAmazonia

Chefes de Estado e outras autoridades dos oito países que integram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) são esperados em Belém, no Pará, para a Cúpula da Amazônia, nos dias 8 e 9 de agosto. Antes e durante a reunião de presidentes, encontros e reivindicações de povos e movimentos sociais pretendem propor agendas e incidir nas decisões políticas sobre a Pan-Amazônia.

De 4 a 6 de agosto, como parte da programação oficial pré-Cúpula, ocorrem os Diálogos Amazônicos, organizados pelo governo federal e por representantes da sociedade civil. Paralelamente à Cúpula e aos Diálogos, organizações indígenas vão liderar a Assembleia dos Povos da Terra Pela Amazônia, de 4 a 9 de agosto, que inclui a Cúpula dos Povos Indígenas das Amazônias, dia 5, e a Marcha dos Povos da Terra pela Amazônia, dia 8.

A 23 quilômetros do Hangar, local do encontro dos chefes de Estado, uma comunidade quilombola de 313 anos resiste às pressões do desenvolvimento e dos modos de produção e de vida das grandes cidades. Liderança espiritual do quilombo do Abacatal, Vanuza Cardoso, cujo nome ancestral afro-religioso é Maberu Yniko, faz parte da Frente em Defesa dos Territórios. O desejo dela é que os territórios estejam no centro dos debates. 

“O Abacatal não quer ir pra Cúpula, quer levar a Cúpula pro Abacatal. A gente entende e vai defender que se fala de comunidade dentro da comunidade, que se fala de território dentro do território. Então a gente está se organizando pra receber quem quiser conhecer, nesse processo da construção da Cúpula, da COP”, afirma Vanuza.

Belém recebe a Cúpula da Amazônia pouco mais de dois anos antes de sediar a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30, marcada para novembro de 2025. O anúncio de que a COP 30 será pela primeira vez no Brasil e na Amazônia foi feito em maio.

A Organização das Nações Unidas confirmou a cidade de Belém/PA como sede da COP30 (Foto: Bruna Brandão/MTUR)

O quilombo do Abacatal fica no município de Ananindeua, vizinho de Belém. Vivem no território 170 famílias, cerca de 550 pessoas que, embora tenham empregos na cidade, mantêm sua produção na terra. Além de plantar parte do próprio alimento, a comunidade faz uso de ervas e plantas medicinais, conhecimento ancestral ameaçado pelos empreendimentos que encurralam o território.

“O nosso maior desafio é estar dentro da Região Metropolitana de Belém se mantendo quilombola, rural, mas hoje já com a nomenclatura periurbano. Não porque o Abacatal cresce. É a [Região] Metropolitana que cresce em direção ao Abacatal. Com racismo ambiental, por conta dos empreendimentos, como uma subestação de energia e as linhas de transmissão, a rodovia Liberdade, os conjuntos habitacionais, dois aterros sanitários, um que é o antigo Aurá, outro que é o Guamá Resíduos, todos os dois são lixões a céu aberto. Então é uma pressão ficar nesse espaço com seu quintal produtivo”, conta.

Vanuza Cardoso é liderança quilombola em Belém/PA (Foto: Guilherme Guerreiro Neto/InfoAmazonia)

Assim como a Cúpula, os Diálogos Amazônicos estão marcados para ocorrer no Hangar. Na semana passada, a secretária adjunta da Secretaria-Geral da Presidência da República, Tânia Maria de Oliveira, que coordena os Diálogos, esteve em Belém e visitou o local. Ela considera que a sociedade civil terá protagonismo no debate sobre os impasses e caminhos para a Amazônia.

“Os Diálogos Amazônicos fazem parte da Cúpula da Amazônia, representam a participação da sociedade civil na Cúpula. Estão sendo organizados pelo governo federal com os movimentos sociais, nós temos um comitê paritário que organiza as plenárias. A sociedade civil estará reunida, discutindo quais são os problemas centrais na Amazônia e oferecendo possibilidades de solução”, garante Tânia.

Estratégia

 A programação conta com cinco plenárias-síntese, quatro plenárias transversais e 405 atividades auto-organizadas nos dias 4, 5 e 6 de agosto. As plenárias-síntese envolvem temas gerais: participação e proteção dos territórios e dos povos; saúde, soberania e segurança alimentar; Amazônia a partir de ciência, tecnologia, inovação, transição energética, mineração e exploração de petróleo; e povos indígenas das Amazônias.

“Os movimentos sociais vão entregar cinco documentos-síntese do acúmulo desses Diálogos aos chefes de Estado, que obviamente, com suas assessorias e seus governos, vão ver de que forma podem fazer a incorporação, o aproveitamento dessas discussões da sociedade civil nos documentos que sairão da Cúpula”, diz a coordenadora.

É a quarta vez que presidentes dos países amazônicos vão se reunir – a segunda em que Luiz Inácio Lula da Silva participa. As três reuniões anteriores foram em Manaus. A primeira, em 1989, para discutir a cooperação para o desenvolvimento e a proteção dos territórios. A segunda, em 1992, em preparação para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92. A última ocorreu em 2009, para tratar sobre mudanças climáticas.

A ideia da discussão proposta pelos Diálogos Amazônicos, além de incidir na Cúpula dos chefes de Estado, é ter continuidade nos meses que precedem a COP-30. “O presidente Lula tem dito que a Cúpula não é chegada, é partida. É um diálogo que vai se aprofundar e vai amadurecer até a COP”, diz Tânia.

Aldeia Cabana de Cultura Amazônica (Foto: David Miguel)

A casa dos povos indígenas em Belém durante a Cúpula será a Aldeia Cabana, que fica a dois quilômetros do Hangar. O nome ‘Cabana’ é referência à Cabanagem, revolta popular amazônica do século XIX. Está marcada para lá a mobilização e o acampamento da Assembleia dos Povos da Terra Pela Amazônia.

No dia 5, a Cúpula dos Povos Indígenas das Amazônias vai reunir organizações indígenas dos nove países da Bacia amazônica. A Cúpula dos presidentes envolve os oito países que fazem parte da OTCA: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. As representações indígenas incluem os parentes da Guiana Francesa na discussão.

“Dentro dessa Cúpula dos Povos Indígenas das Amazônias, a gente vai discutir soluções de governança e gestão territorial na Amazônia, a perspectiva das lideranças sobre mitigação, restauração e manejo da floresta amazônica, e impactos de empreendimentos nas terras indígenas, como indústria petrolífera e garimpo”, detalha Alana Manchineri, gerente de comunicação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Alana é indígena do povo Manchineri, cujo território fica na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia. Ela integra o grupo de trabalho que organiza a participação dos povos indígenas nos Diálogos Amazônicos. No dia 6, os indígenas compõem a última plenária-síntese dos Diálogos. Haverá também uma atividade autogestionada sobre a proteção de povos indígenas isolados e de recente contato.

“Depois a gente vai fazer a Assembleia dos Povos, que vai reunir todos os movimentos sociais, não só o movimento indígena, pra dialogar e definir as prioridades. Vai ser no dia 7, segunda-feira. Porque, na terça, dia 8, vai ter um encontro dos presidentes com os movimentos sociais. Então essa Assembleia é pra definir as estratégias pra esse encontro”, explica a gerente de comunicação da Coiab.

Alinhamento Internacional

Organizações da Pan-Amazônia como a Plataforma Boliviana Frente al Cambio Climático vão estar representadas por documentos coletivos, como as propostas enviadas pelo Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA), a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) e a Assembleia Mundial da Amazônia (AMA).

A declaração desses grupos, preparada para a Cúpula, aponta a necessidade de evitar o ponto de não retorno da Amazônia titulando as terras indígenas até 2025, declarando emergência climática, promovendo transição energética até 2028, freando a fronteira agrícola, zerando o desmatamento até 2030, entre outras ações. 

“O que se pretende é levar essa declaração aos eventos paralelos, pôr em discussão, para que haja mais contribuições e que outros povos e organizações possam se somar”, conta Juan Carlos Alarcón, secretário técnico da Plataforma Boliviana, rede que atua para a conscientização sobre a crise do clima, o fortalecimento e o reconhecimento dos direitos de organizações e a visibilidade de ações comunitárias contra as mudanças climáticas.

A Frente al Cambio Climático da Bolívia é uma rede formada por cerca de 50 organizações, principalmente campesinas, indígenas, de mulheres e de jovens, que surgiu em 2009, no contexto da aprovação da Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia, que garante direitos da Mãe Terra.

Juan Carlos lembra da importância de pensar as demandas dos territórios amazônicos interrelacionadas com outros biomas e ecossistemas: “Na Bolívia, 60% do território é Amazônia, embora sejamos conhecidos como um país mais andino. E todo esse processo não se passa apenas na Amazônia, mas também nos Andes, porque há uma relação, interdependência desses dois ecossistemas”.

No primeiro dia da reunião dos chefes de Estado, 8 de agosto, os movimentos sociais vão ocupar as ruas de Belém na Marcha dos Povos da Terra Pela Amazônia. Vozes como a de Vanuza Cardoso hão de espalhar seus recados, na esperança de serem escutadas e consideradas na definição de políticas para a região.

“Eu pediria uma sensibilidade diferenciada, uma escuta diferenciada com esses povos. Mais respeito com o modo de vida e a cultura desses povos. Porque a gente tem protegido a Amazônia, diante de tantas violências, diante de tantos corpos que foram tombados, de tantas lutas pelo que a gente acredita. Então, respeito, responsabilidade. Que sejam mais humanos. Menos comprometidos com o capital, com o poder econômico, e mais comprometidos com a vida. Não só a vida do ser humano, mas da floresta, dos animais e de tudo pelo que é composta essa Amazônia”, roga a liderança quilombola.

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Este conteúdo foi produzido como parte do projeto Rede Cidadã InfoAmazonia, iniciativa para criar e distribuir conteúdos produzidos por mídias amazônicas.