Episódio expôs defensores a mais criminalizações, violências e perseguições por parte do próprio Estado. Em nota pública, as organizações repudiaram a conduta do governo Helder Barbalho e apontaram desvio de finalidade nas políticas de Proteção aos Direitos Humanos
Mais de 50 organizações da sociedade civil assinaram uma nota pública manifestando preocupação com denúncias de que a Secretaria de Estado de Segurança Pública do Pará utilizou o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH/PA) para monitorar lideranças indígenas e comunitárias. Agentes infiltrados acompanharam manifestações em Belém contra mudanças na educação das aldeias, repassando informações em tempo real à administração estadual.
O documento, publicado na última quarta-feira, 20/08, repudia a conduta do governo Helder Barbalho e alerta que o uso indevido de informações sensíveis do programa configura grave violação da Lei Geral de Proteção de Dados e ameaça a segurança de defensoras e defensores de direitos humanos no estado.
Leia aqui a nota pública coletiva
O Pará é a unidade da federação com maior número de pessoas incluídas no programa. Segundo o levantamento Na Linha de Frente, realizado pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos, o estado também é o mais violento para quem defende direitos, com 103 casos de violações registradas entre 2023 e 2024.
As duas organizações que coordenaram o estudo também integram o Conselho Deliberativo do Programa Nacional de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, Ambientalistas e Comunicadores.
Na nota, as entidades também reconheceram a atuação do Instituto Universidade Popular (Unipop), gestor do PPDDH/PA, destacando que a organização não teve relação com os fatos denunciados e segue comprometida com a proteção de defensoras e defensores no estado.
Para a advogada Alane Luzia da Silva, assessora jurídica da Terra de Direitos, o caso denunciado é gravíssimo e expõe os defensores a mais criminalizações, violências e perseguições por parte do próprio Estado, além de vulnerabilizar a segurança deles diante de outros ameaçadores.
“Os episódios ocorridos no início deste ano já registravam diversas violações por parte do governo contra as defensoras e defensores de direitos humanos indígenas como o direito à manifestação, direito à consulta prévia, livre e informada e o próprio direito à educação. Naquela ocasião [ocupação da Secretaria Estadual de Educação] também se violou a liberdade de imprensa e o direito à informação e as prerrogativas dos advogados do movimento. Além das notícias falsas que o próprio governador propagou contra o movimento indígena, todas essas violações foram denunciadas pela sociedade civil, inclusive na esfera internacional”, afirma Alane.
Para a advogada, saber que há indícios fortes de espionagem e monitoramento de tudo o que movimento indígena fazia e conversava durante a ocupação na Seduc, adiciona novos contornos ao episódio. ‘As informações pessoais de localização, estratégias da luta e estratégias de proteção das defensoras ficam expostas e é o Estado que fragiliza e vulnerabiliza ainda mais a segurança dessas pessoas e coletividades. Vale lembrar que são as defensoras e defensores indígenas as que mais protegem o meio ambiente, no estado que vai receber a COP30 e que é, ao mesmo tempo, o mais violento para se defender direitos”, ressalta.
Pará lidera o número de pessoas incluídas no Programa de Proteção de DH
Segundo o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), o Pará é o estado brasileiro com o maior número de pessoas incluídas no Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas. Segundo a assessora jurídica da Terra de Direitos, a ação de espionagem realizada pelo governo Helder, enfraquece a política pública de defesa de Direitos Humanos e afeta o trabalho e a credibilidade do programa no estado.
“O primeiro impacto, sem dúvida, é o medo e desconfiança por parte das defensoras e defensores de direitos humanos, que podem querer ser desvinculada de a política por medo de sua inclusão no programa aumentar ainda mais a vulnerabilidade e por não saberem quem terá acesso às suas informações e o que se fará com isso. Depois tem a questão da credibilidade do programa de proteção perante a sociedade como um todo, o que vulnerabiliza ainda mais a possibilidades de avanços em uma política a qual viemos defendendo e lutando por avanços há mais de 20 anos”, explica Alane.
Para Sandra Carvalho, cofundadora e coordenadora do programa de Proteção de Defensoras/es de Direitos Humanos e da Democracia da Justiça Global, o episódio representa um grave retrocesso nas políticas públicas de Proteção de Direitos Humanos desenvolvidas pelo Governo do Pará. “Se comprovada a espionagem, a credibilidade em relação ao PPDDH Pará sofre um dano e pode gerar insegurança e descrédito por parte daqueles que estão inseridos ou que necessitam ser inseridos na política de proteção. Aqui, já de se ressaltar, que a espionagem foi realizada pelo governo do estado, sem conhecimento da organização da sociedade civil executora da política”, ressalta.
Segundo ela, é necessária uma investigação rigorosa dos fatos e a responsabilização dos agentes envolvidos no caso. “No meu entendimento, essa investigação deve ser realizada pela Polícia Federal, uma vez que as informações disponíveis até o momento, indicam a liderança da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará na espionagem”, destaca Sandra.
Na nota pública, as organizações reivindicam explicações do governo, especialmente do governador Hélder Barbalho, sobre a celeridade na investigação e a responsabilização dos envolvidos. A medida também pretende dialogar com instituições de justiça sobre o tema, Ministério Público Federal e Estadual, e cobrar também dos representantes da sociedade na Assembleia legislativa que busquem respostas, além de outras incidências e denúncias de nível nacional e internacional.
Governo nega desvio de finalidade do programa de Direitos Humanos
Em nota enviada à imprensa, o Governo do Pará negou desvio de finalidade do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos. A nota afirma que as operações de monitoramento seguem a “legislação vigente”, mas não mencionou uma lei específica.
“Colaboradores mencionados em operações de monitoramento não se confundem com beneficiários do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), tampouco há uso de informações protegidas pelo programa para fins alheios à sua finalidade”, ressalta o documento.
A nota, encaminhada pela assessoria de comunicação do governo, ressalta ainda que “todas as ações são conduzidas com estrita observância da legislação vigente, preservando a integridade e a segurança de defensores de direitos humanos, comunidades e demais cidadãos, em conformidade com os direitos e garantias constitucionais.”
________________________________
Foto de capa: Jander Arapiun/ Cita/Ciki/15-01-2025