Apesar da baixa participação de lideranças quilombola nos espaços oficiais da COP, as comunidades afrodescendentes têm realizado diversas mobilizações e ocupado agendas de debate sobre a crise climática paralelas à conferência da ONU

Por Adison Ferreira

A COP30, em Belém, é a edição com a maior participação de quilombolas na história da conferência mundial do clima. A informação é da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ). Segundo a organização, mais de mil pessoas de comunidades quilombolas, das mais diversas regiões do Brasil, participam do evento.

Apesar da baixa participação nos espaços de decisão, com o credenciamento de apenas quatro pessoas da delegação quilombola na Zona Azul, os moradores de quilombos têm atuado ativamente em debates da Zona Verde e em eventos sobre a agenda climática paralelos à COP.

Denildo Rodrigues, o Biko, coordenador nacional da CONAQ, criticou a baixa quantidade de crachás para a delegação quilombola na conferência, mas ressaltou a mobilização histórica das comunidades afro-brasileiras nos espaços paralelos da COP.

 “É muito ruim ver a baixa participação de quilombolas nesses espaços de decisão, principalmente, devido a importância que os territórios quilombolas têm na preservação do meio ambiente e no equilíbrio da balança climática. Mas por outro lado, ficamos felizes em ver tantas lideranças quilombolas ocupando eventos ditos ‘não oficiais’, denunciando crimes ambientais, reivindicando justiça climática e reafirmando o nosso protagonismo na defesa da vida e das florestas”, afirmou.

Denildo Rodrigues, o Biko, coordenador nacional da CONAQ (Foto: Gota/CONAQ)

Um desses eventos foi a Cúpula dos Povos, encontro que integra a COP Popular, organizada pelos movimentos sociais, realizado entre os dias 12 e 16 de novembro na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém. Durante a Cúpula, lideranças quilombolas participaram de diversas mobilizações para reivindicar mais participação dos povos tradicionais nos espaços de decisão sobre a agenda climática.

 “Os territórios quilombolas são territórios vivos. Por isso, quando defendemos o território, defendemos o alimento que vem da floresta, do quilombo, do rio e da comunidade. É nessa relação com a natureza que mantemos nossa existência, nossa cultura e nossa liberdade”, afirmou Hilário Moraes, coordenador de articulação da Malungu – Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará.

Outro evento paralelo à Conferência do Clima foi o Encontro Nacional do Observatório de Protocolos de Consulta Prévia, Livre e Informada, realizado no Quilombo do Abacatal, em Ananindeua, região metropolitana de Belém. Durante a atividade, os participantes elaboraram um documento para exigir que nenhuma decisão administrativa, legislativa ou empresarial possa ser imposta sem a consulta prévia às comunidades.

O encontro ocorreu no dia 11 de novembro e reuniu representantes de nove estados brasileiros – Amapá, Amazonas, Sergipe, Pernambuco, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Goiás e Paraná – e delegações de três países da Amazônia – incluindo Brasil, Colômbia e Peru. Representantes do Chile também participaram. As lideranças almejam a incorporação do texto à carta final da COP30.

Vanusa Cardoso, presidente da associação dos moradores do quilombo Abacatal, afirma que é significativo mostrar os territórios que resistem diante de todas as violações. A liderança denuncia que é comum os projetos serem implementados sem consulta à comunidade, como determina a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Chega de pensar por nós, de achar que sabe o que é melhor para nós, sem falar com nós. O estado do Pará fala muito de nós, mas ele não fala com nós. Ou fala com uma parte de nós. A construção deste documento é oportuna e é sobre isso, sobre nós”, desabafa Vanusa.

Articulação Internacional

Outro marco nessa COP para a comunidade quilombola foi o fortalecimento da articulação internacional. A CONAQ reforçou seu time e ampliou a sua inserção na CITAFRO (Coalizão Internacional Territorial de Comunidades Afro-Rurais). A coalização é formada por mais de 16 países da América Latina e Caribe.

A CITRAFRO é um espaço político de longa data que visa incidir nos debates e estruturas de decisão, buscando levar a voz quilombola para dentro de fóruns como a ONU e a UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima).

Defesa de financiamento climático

A presença quilombola nos debates sobre a agenda climática tem mostrado também que não basta reconhecer o papel das comunidades tradicionais: é necessário garantir mecanismos financeiros que permitam que suas soluções sejam implementadas com soberania. Segundo a Conaq, o recado é claro: territórios vivos exigem recursos vivos, que cheguem sem intermediários a quem cuida da terra, das águas e da biodiversidade.

o fortalecimento dos fundos comunitários foi tema de diversos debates da CONAQ durante a COP (Foto: Uma Gota no Oceano/ CONAQ)

 

“O fortalecimento dos fundos comunitários é condição indispensável para a autonomia territorial, a proteção das florestas e a implementação de planos de gestão construídos a partir da ancestralidade e do conhecimento tradicional. Por isso, costumamos dizer que o financiamento direto representa futuro, proteção, e justiça climática para as nossas comunidades”, destaca Jhonny Martins, diretor administrativo e coordenador nacional da CONAQ.  

“Não tem como a gente avançar na regularização fundiária desses territórios que preservam se a gente não tiver um financiamento climático muito forte. Então, pra nós, a titulação quilombola está no eixo central da nossa bandeira de luta em Belém”, afirmou Biko Rodrigues.

Mais de 1,32 milhão de pessoas se identifica como quilombola no Brasil, o equivalente a 0,65% da população nacional. Elas estão presentes em 24 estados, sendo que o Pará, sede da COP30, é o quarto estado com a maior população, segundo dados do Censo Nacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022.

Pesquisa publicada pela CONAQ e o Instituto SocioAmbiental (ISA) mostra que o número de comunidades quilombolas é 280% do que o registrado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão responsável por esse controle.

Todos os territórios quilombolas contabilizados pelo estudo somam 3,6 milhões de hectares, 88% a mais do que os dados oficiais apontavam. A quantidade é o equivalente ao estado de Alagoas. A preservação ambiental desses territórios é outro destaque, número que fica em 92% a nível nacional e chega a 99% no estado do Amazonas.

NDC Quilombola

Em outubro deste ano a CONAQ lançou a NDC Quilombola. A sigla NDC — que vem do inglês Nationally Determined Contribution — significa “Contribuição Nacionalmente Determinada” e se refere aos compromissos do Brasil sob o Acordo de Paris para reduzir emissões de gases de efeito estufa

A NDC Quilombola é considerada um março histórico na Justiça Climática e reparação racial. A proposta de anexo à meta climática brasileira articula saberes ancestrais com ciência ambiental em um plano de ação que inclui metas, prazos e indicadores concretos

Acesse o documento.

As NDCs são compromissos que cada país define de forma voluntária para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e se adaptar aos impactos das mudanças climáticas. Eles devem ser apresentados no âmbito das negociações internacionais sobre mudanças climáticas.

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Foto de capa: Ascom Malungu

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