Em entrevista ao Carta Amazônia, Laura Souza, secretária executiva do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade fala sobre os desafios do desenvolvimento sustentável e o protagonismo das populações tradicionais

Por Adison Ferreira

Fortalecer as diversas economias produzidas pelas comunidades tradicionais das florestas e ao mesmo tempo estabelecer um sistema sustentável como eixo do modelo de desenvolvimento brasileiro é o principal desafio da sociobioeconomia. Em 2023 o conceito, que leva em consideração a importância da conservação ambiental para o desenvolvimento socioeconômico, ganhou notoriedade dentro do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima com a criação da  Secretaria Nacional de Bioeconomia.

A nova secretaria ampliou ainda mais um debate que há muito tempo é feito pela sociedade civil, sobretudo, por movimentos sociais e comunidades da Amazônia. Um exemplo disso é o trabalho realizado pelo Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), entidade que reúne ONGs ambientalistas, movimentos sociais do campo e populações indígenas e tradicionais no Brasil.

Fundado em 2022, o ÓSocioBio surgiu com o objetivo de monitorar e fomentar políticas públicas em pauta no Congresso Nacional e no Governo Federal relacionadas à inclusão socioprodutiva de povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares. A iniciativa busca orientar tomadas de decisão que prezam pela conservação dos biomas brasileiros, uso sustentável dos recursos naturais com geração de renda e respeito aos modos de vida das populações, garantindo segurança alimentar e direito à terra.

Leia a carta de criação do Observatório da Economia da Sociobiodiversidade 

Em entrevista ao Carta Amazônia, a secretária executiva do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade, Laura Souza, fala sobre os desafios desse modelo socioeconômico, a alternativa aos modos de produção da monocultura nociva e o papel central de populações tradicionais para o desenvolvimento sustentável.

Porque o ÓSocioBio usa o conceito deEconomias da Sociobiodiversidade” ao invés de Sociobioeconomia? Existem diferença entre esses conceitos?

Laura Souza: O Observatório trabalha com o conceito de economias da sociobiodiversidade, economias no plural,  porque entendemos que não é uma economia apenas. Esses povos e comunidades tradicionais desenvolvem em seus territórios os mais variados tipos de economias. Por isso, não dá para resumir em sociobioeconomia, no singular, como se esses modos de produção se limitassem a uma única cadeia. Para o ÓSocioBio, o termo economias da sociobiodiversidade é um termo que valoriza não só o produto, mas as comunidades, os modos de vida e os conhecimentos tradicionais da floresta.

Como o ÓSocioBio monitora e fomenta políticas públicas para o fortalecimento de uma economia alinhada como o desenvolvimento sustentável?

Laura Souza: A atuação do observatório vai além das ações nos territórios. É importante manter a articulação com as comunidades tradicionais, fortalecendo essas organizações, mas além disso é necessário se inserir nos debates políticos sobre esse tema. Por isso, o ÓSocioBio também atua em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista para monitorar e participar efetivamente das discussões e projetos de lei sobre a valorização do uso sustentável da biodiversidade. Seja no Legislativo Federal, onde existem os projetos de lei as leis complementares, ou no Executivo, que desenvolve os programas e os planos do segmento socioambiental.

Qual o principal desafio desse modelo socioeconômico defendido pelo ÓSocioBio?

Laura Souza: O nosso principal desafio é enfrentar os modelos agropecuários predominantes no Brasil, que não apresentam nenhuma solução sustentável. O modelo de desenvolvimento que defendemos é exatamente o modelo contrário a essa produção nociva do agronegócio, que não traz nenhuma contrapartida ao desenvolvimento social para as comunidades tradicionais, que não mata a fome e que não prioriza os saberes e o protagonismo dos povos da floresta.

O conceito de bioeconomia também está em disputa no campo do agronegócio. Como impedir que os modelos agropecuários se apropriem do  discurso sustentável e tecnológico para buscar lucros em áreas preservadas por povos tradicionais?

 Laura Souza: Quando falamos em defender o protagonismo das comunidades tradicionais  no desenvolvimento sustentável é exatamente para combater esse falso discurso do agronegócio. Por isso é importante destacar o papel central de populações tradicionais nesse debate. Precisamos mudar o nosso paradigma de olhar a sociobioeconomia como insumo de matéria prima, de cacau, castanha, borracha. A sociobioeconomia, seja qual for o modo de produção, não pode virar mais um commodity brasileiro, que não traz nenhuma forma de desenvolvimento socioeconômico para as comunidades tradicionais, assim como acontece com os modelos agropecuários predominantes na Amazônia.

As políticas de mercado atualmente ainda não conseguem olhar para essas economias como detentoras de conhecimento e inovação e, de fato, prestadoras de serviço. Como mudar esse paradigma?

Laura Souza:  A mudança de paradigma está em reconhecer essas economias, quem realiza, que são os povos indígenas e comunidades tradicionais, como detentoras de conhecimentos, promotoras de inovação. E para que essa mudança ocorra é fundamental que haja políticas públicas para capacitação das lideranças locais, que garanta apoio às comunidades para concorrência em editais de fomento, desburocratize impostos e incentive a participação social e o pagamento por serviços ambientais.