Deputados e senadores da Frente Parlamentar da Agropecuária protocolaram centenas de emendas à Medida Provisória sobre Licenciamento Ambiental Especial; parte delas visa recolocar em lei trechos do ‘PL da Devastação’ vetados por Lula

Por Vinicius Konchinski

A bancada ruralista tenta usar a tramitação de uma MP (Medida Provisória) para recolocar na Lei Geral de Licenciamento Ambiental trechos vetados pelo presidente Lula (PT). A lei foi sancionada em agosto com 63 vetos, após a tramitação do chamado “PL da Devastação”.

As novas regras só valem a partir de fevereiro, mas a MP 1.308/2025 tem vigência imediata. Publicada por Lula juntamente com os vetos, a norma instituiu o LAE (Licenciamento Ambiental Especial), que agiliza a aprovação de empreendimentos estratégicos para o governo. O texto favorece, por exemplo, propostas como a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas.

Em uma semana, a MP recebeu 833 emendas, muitas delas de deputados e senadores da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), o braço institucional da bancada ruralista. Boa parte das emendas recupera trechos vetados por Lula da lei do licenciamento, segundo análise da Repórter Brasil. Um senador da FPA confirmou a estratégia à reportagem.

As Medidas Provisórias são normas editadas pela Presidência da República com força de lei. Apesar da vigência imediata, elas precisam ser analisadas pelos parlamentares em até 120 dias, caso contrário, perdem efeito. No caso da MP do licenciamento especial, a expectativa é de que ela seja avaliada pelo Legislativo antes dos 63 vetos de Lula.

Entre os vetos que os parlamentares tentam ressuscitar está o que retirava o regime de proteção especial da Mata Atlântica, abrindo caminho para maior supressão de vegetação nativa. O governo justificou o veto lembrando que a “Mata Atlântica é um bioma reconhecido como patrimônio nacional e já se encontra em situação crítica, com apenas 24% de sua vegetação nativa remanescente”.

Contudo, deputados e senadores apresentaram 29 emendas à MP para que o trecho volte à lei. Estão entre eles o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA, os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e os deputados Carlos Jordy (PL-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Marcel van Hattem (Novo-RS). Todos são membros da FPA.

“Ao contrário do que sustentam seus críticos”, o PL “não configurava retrocesso ambiental”, escreveu Kataguiri na justificativa da emenda. Segundo o deputado, o trecho visava retirar a necessidade de autorização do Ibama para supressão da Mata Atlântica, com objetivo de “modernizar, desburocratizar e tornar mais eficiente o licenciamento ambiental”.

Heinze e outros 25 parlamentares também tentam recuperar via emenda o trecho que abordava empreendimentos com impacto em Unidades de Conservação, cujo licenciamento depende de manifestação dos gestores das unidades. O texto original do “PL da Devastação” retirava essa obrigatoriedade. Lula vetou a mudança, afirmando que os impactos precisam ser “devidamente analisados e considerados”.

Heinze, entretanto, escreveu na justificativa da emenda que é preciso “restaurar a integralidade e a harmonia do marco legal aprovado [pelo Congresso], preservando o consenso construído e garantindo que o licenciamento ambiental brasileiro atenda simultaneamente aos princípios da proteção ambiental, do desenvolvimento sustentável e da segurança jurídica”.

Na MP, porém, foram apresentadas 32 emendas para ressuscitar a medida. “A manutenção desses vetos compromete a coerência do texto legal e enfraquece os objetivos pactuados, podendo gerar insegurança jurídica, aumento de litígios e obstáculos indevidos a atividades produtivas e de interesse público”, escreveu o senador Jorge Seif (PL-SC), também membro da FPA, na justificativa de sua proposta.

MP 1.308/2025 instituiu o LAE (Licenciamento Ambiental Especial), que agiliza a aprovação de empreendimentos estratégicos para o governo. O texto favorece propostas como a exploração de petróleo na foz do Amazonas (Foto: Divulgação/Petrobras)

Ação coordenada de parlamentares

A quantidade de alterações e o número de emendas tratando do mesmo assunto mostra que há uma ação coordenada de parlamentares, avalia Alice Dandara de Assis Correia, advogada do ISA (Instituto Socioambiental).

“Eu já vi MP que recebeu até 500 emendas, mas 833 em uma MP que é curta, que tem seis artigos, extrapola o razoável. E muitas delas são idênticas, apresentadas por membros da FPA”, diz ela, que tem monitorado as emendas. “Há uma disputa política sendo travada por meio da tramitação dessa MP.”

O senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), também integrante da FPA, sugeriu 38 mudanças no texto editado por Lula — foi o recordista. Heinze propôs outras 27, mesmo número da deputada Marussa Boldrin (MDB-GO). Lupion, presidente da frente, protocolou outras 19 emendas.

Para Correia, a disputa envolve pessoas que conhecem muito bem o regimento do Congresso e que usam a MP como um atalho para derrubar os vetos de Lula.

A Repórter Brasil procurou a FPA e seu presidente, o deputado Pedro Lupion, para falar das emendas e de uma eventual ação coordenada da frente. Não recebeu respostas.

O senador Mecias de Jesus confirmou, por meio de sua assessoria, que os pedidos visam restabelecer o texto integral do PL aprovado no Congresso. Ele informou também que a apresentação de emendas e a tentativa de derrubada de vetos por votação são estratégias não excludentes, mas que o Congresso tende a analisar a MP mais rápido que os vetos.

O senador ainda informou que conversa com outros membros da FPA, mas que todas as emendas apresentadas por ele são de sua autoria.

“Nossas emendas recompõem pontos aprovados pelo Congresso e essenciais à segurança jurídica do licenciamento. Queremos um marco que proteja o meio ambiente, dê previsibilidade técnica e respeite o pacto federativo, permitindo que estados e municípios decidam sobre sua própria realidade”, disse o senador.

Também foram procurados o senador Heinze e a deputada Boldrin. Eles não responderam.

O deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, disse que a tentativa de ressuscitar trechos do “PL da Devastação” por meio da MP “faz parte do jogo” do Congresso.

Ele disse que parlamentares comprometidos com a causa ambiental vão trabalhar para que retrocessos não sejam aprovados e até para que uma lei ainda mais ampla para preservação do meio ambiente surja da MP. Tatto protocolou duas propostas de emenda ao texto. Outros membros da frente também fizeram sugestões de mudanças.

Edição:  Diego Junqueira

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Conteúdo publicado originalmente pela Repórter Brasil e cedido para a publicação na agência Carta Amazônia.

Foto de capa:  Fernando Martinho/Repórter Brasil