Por Cecilia Amorim

Maria Luiza respira fundo ao finalmente alcançar a rua. Os passos firmes contrastam com as mãos tremendo. A boca fechada contrasta com os olhos abertos. Ela para, uma voz ressoa na sua cabeça repetindo incansavelmente: “Você não tem capacidade para estar aqui!”. Ao se distanciar da universidade pública que um dia foi seu sonho, Malu pensa se já não chegou ao máximo que poderia ir.  

Malu nasceu em uma cidade do interior, muito longe da capital. Sua família saiu do Maranhão em busca de oportunidade de estudo para os filhos. Moraram em um barraco de lona com o chão de papelão. Moraram em barracos de madeira que alagavam ao menor sinal de chuva. Muitas vezes foram para a escola com cadernos feitos pela mãe. Outras tantas, a merenda escolar era a principal refeição dos irmãos. Mas, apesar de todas as dificuldades, sua mãe sempre a incentivava a estudar.

Começou a trabalhar de doméstica aos treze anos e lutava para conciliar com os estudos. Não foi fácil. Reprovou três vezes a 6° série. A vida era difícil e ela encontrou refúgio nos livros. A biblioteca era seu paraíso. Muitas vezes perdia aula por estar lendo na biblioteca, outras porque não saía a tempo do trabalho. Descobriu Platão aos 15 anos e se apaixonou por filosofia. Descobriu Freud aos 16 e se encantou pela psicanálise. Lia muito, mas um curso superior para ela era algo inatingível.  

Com todos os prognósticos contrários, conseguiu uma bolsa integral para cursar uma faculdade particular. E ela foi. Estudou muito, tirou as melhores notas da turma. Começou a se aprofundar em temáticas que até bem pouco tempo desconhecia completamente. Começou a questionar por que para pessoas como a sua família tudo era sempre mais difícil.  Seu Trabalho de Conclusão de Curso foram 150 páginas dedicadas a um estudo sobre a construção das identidades negras. Foi muito aplaudida e tirou conceito máximo da banca.

A professora que a orientou também dava aulas na universidade pública e indicou a aluna para ser ouvinte em um núcleo de pesquisa sobre temáticas negras. “Você tem potencial para seguir a pesquisa para um mestrado”, dizia a docente. A aluna, nunca havia pensado em mestrado, nem sequer se imaginava numa faculdade e olha só aonde chegou? A primeira da sua família a cursar um nível superior. 

Por um momento sonhou com o mestrado. Sua antiga orientadora marcou um horário com a professora responsável pelo núcleo de pesquisas negra. Ela estava ansiosa. Pesquisou sobre o programa do núcleo. Leu artigos da citada professora e de alunos que já tinham passado por lá e foi empolgada para a entrevista. Apenas uma frase da professora foi responsável por abalar sua confiança e a fazer recuar. 

Enquanto Malu volta pra casa de ônibus a frase se repete em seu cérebro em um looping infinito: “Você não tem capacidade para estar aqui. Alunos de faculdades como a de onde você veio não têm como acompanhar os alunos daqui!”

Vinte três palavras. Foram apenas vinte três palavras. Uma frase responsável por jogar terra naquele sonho efêmero que foi a ideia de um mestrado. Malu estava cansada de ter sua capacidade julgada pela sua cor, de onde vinha, história de sua família e agora, a faculdade onde se graduou.