Um levantamento publicado pela Rede Xingu+ e o Instituto Socioambiental (ISA) mostra que a atividade de garimpo ilegal se intensificou nos últimos cinco anos na Bacia do Xingu, região que atravessa os estados do Pará e Mato Grosso. De acordo com o dossiê “Garimpo: um mal que perdura no Xingu”,  a mineração ilegal expandiu em 12,7 mil hectares a área de atuação. Desse total, 82% – cerca de 10 mil hectares – são em áreas de proteção.

O documento revela que entre 2018 e 2019, período de mudança de gestão presidencial, o desmatamento gerado pela atividade aumentou 15% nas áreas protegidas. Em 2023, a atividade teve uma redução expressiva, devido ao aumento da fiscalização, mas não parou. No primeiro semestre deste ano já foram desmatados cerca de 475 hectares em Terra Indígenas, segundo os boletins divulgados pelo Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento da Bacia do Xingu (Sirad X).  Ao menos 17 frentes de exploração garimpeira em funcionamento ou com indício de atividades foram identificadas em 2023.

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Durante o governo Bolsonaro, a reativação de garimpos antigos foi uma ação recorrente na Bacia do Xingu, como os garimpos Coringa, Madalena e Manelão nas TIs Baú, Kuruaya e Trincheira Bacajá. Além da desarticulação da fiscalização, a melhora da cotação do preço do ouro no mercado internacional estimulou o avanço da megaestrutura bilionária que controla a atividade criminosa.

O dossiê detalhou a extensão do garimpo em seis Terras Indígenas e cinco Unidades de Conservação no Xingu. O caso mais drástico foi a Terra Indígena Kayapó, que concentrou 72% de todo o garimpo na bacia entre 2018 e 2022 e é a TI com a maior área de desmatamento gerado pelo garimpo ilegal de todo o país. Nesse território,  o garimpo destruiu mais em cinco anos do que nas três décadas anteriores. Existem três frentes principais de exploração no território do povo Mebengokré: nos rios Arraias, Fresco e Branco, e uma quarta um pouco mais discreta, no Riozinho.

No primeiro semestre de  2023, mais de 450 hectares de floresta foram derrubados pelo garimpo na TI Kayapó em suas diversas frentes. O território já havia sido assolado pela atividade nas décadas de 1970 e 1980, impulsionado pela abertura de estradas e pelo aumento da cotação do preço do ouro.

Thaise Rodrigues, analista do Instituto Socioambiental (ISA) e autora do dossiê, diz que a realidade encontrada hoje na TI Kayapó é resultado de muitos fatores. A exploração garimpeira nesse território remonta à década de 1960, anterior à homologação da TI, que ocorreu em 1991. A retirada mal sucedida dos garimpeiros na TI após a sua homologação, o fácil acesso terrestre às frentes de exploração garimpeira e a proximidade de cidades e municípios com um longo histórico de pilhagem ambiental, criaram condições para a consolidação e avanço da atividade ilegal na Kayapó.

Em 2019, os incentivos diretos do governo à exploração garimpeira somado ao desmonte da fiscalização ambiental, foram determinantes para o crescimento descontrolado do garimpo no local.

Garimpo em UCs

O dossiê também indica o aumento do garimpo nas Unidades de Conservação. Em cinco anos, mais de mil hectares de vegetação primária foram derrubados para ocupação de garimpos ilegais nas UCs. Rios tiveram seus leitos destruídos e suas águas assoreadas e contaminadas.

Os impactos não ficaram só na paisagem: peixes, tracajás e outros animais foram contaminados, afetando a sobrevivência de diversas comunidades ribeirinhas que, ao longo desses anos, também sofreram com aliciamento e ameaças. Em 2023, novos focos de exploração foram identificados na Reserva Biológica (REBIO) Nascentes da Serra do Cachimbo e o funcionamento dos garimpos na Flona de Altamira e Reserva Extrativista (RESEX) Rio Iriri também continuou.

Na RESEX Riozinho do Anfrísio, no Pará, ao menos cinco novos focos de garimpo foram abertos durante a gestão de Bolsonaro, permanecendo ainda uma frente ativa em agosto de 2023 – apesar dos esforços de fiscalização do novo governo. Ao todo, na RESEX do Riozinho do Anfrísio foram derrubadas 42 hectares de floresta e 19 comunidades beiradeiras afetadas pela contaminação do mercúrio.

Outro caso que chama atenção é o da Floresta Nacional (Flona) de Altamira. A UC tem a maior área de desmatamento por conta do garimpo ilegal na Bacia do Xingu. São duas frentes principais: na região noroeste, onde foram 309 hectares derrubados entre 2018 e 2022, e na zona oeste do território, onde foram desmatados 428 hectares no período.

A situação é extremamente preocupante sobretudo porque as áreas de garimpo estão localizadas nas chamadas “Zonas Primitivas” das UCs, isto é, áreas especialmente importantes para preservação e recuperação, do ponto de vista da biodiversidade. Essas zonas são delimitadas para, teoricamente, estabelecer regiões com a mínima intervenção humana para proteção de cabeceiras de rios (áreas de nascente), e recuperação de áreas já degradadas no passado. Mas elas não estão sendo respeitadas, e a degradação só tem aumentado. 

Rodrigues aponta que a persistência do garimpo exige uma ação articulada e contínua nesses territórios. “Estamos falando de várias áreas destruídas com o uso de grande maquinário, e capitalizadas por uma rede criminosa. Isso exige um plano de proteção territorial consistente, com manutenção de bases de proteção em locais estratégicos e operações regulares para desativar os focos de garimpo”, aponta.

Segundo ela, essas ações devem incluir a inutilização de toda a infra-estrutura associada, como pistas clandestinas, estradas e a destruição completa do maquinário utilizado na extração de ouro.

Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará informou que “vem intensificando ações de comando e controle no Estado”, e “que atua diariamente em localidades estratégicas para o combate às irregularidades ambientais”. De acordo com o orgão, “mais de 50 garimpos ilegais já foram encerrados no estado” e que “um decreto de Emergência Ambiental fortaleceu o rigor no combate a ilícitos em 15 municípios identificados como críticos e instalou três bases fixas de atuação, uma delas em São Félix do Xingu”.

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Com informações do Instituto Socioambiental (ISA)

Foto de capa: Rogério Assis/ISA