Secas e ondas de calor transformaram fogo em uma das principais causas de degradação
Por: Pedro Paz*
Incêndios na Amazônia brasileira têm prejudicado esforços do terceiro governo de Lula contra o desmatamento da floresta. Segundo estudo de pesquisadores brasileiros e norte-americanos, publicado no último dia 16 de outubro, no periódico britânico de alto impacto Nature Ecology and Evolution, secas e ondas de calor têm transformado o fogo em uma das principais causas de degradação e de perda florestal, no contexto das mudanças climáticas, combinadas com desmatamento e fragmentação impulsionados, em grande parte, pelo agronegócio.
De acordo com a plataforma de dados geográficos TerraBrasilis, mantida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) do Brasil e que apresenta mapas interativos sobre desmatamento, em junho deste ano, o número de incêndios ativos na Amazônia brasileira atingiu 3.075, o maior para este mês, desde junho de 2007, quando houve o registro de 3.519 queimadas.
Conforme a plataforma digital de monitoramento TerraBrasilis, o total de incêndios registrados na Amazônia brasileira, no primeiro semestre de 2023, foi de 8.344. Esse número é 10,76% superior aos 7.533 incêndios identificados durante o mesmo período, no ano anterior.
“Picos anteriores, na contagem de incêndios, foram observados, por exemplo, em agosto e setembro de 2022. Esses picos ocorreram em um ano que não foi caracterizado por condições secas. Tais eventos estavam associados ao desmatamento não controlado, que atua tanto como uma fonte primária de fogo quanto como um forte indicador de área queimada”, afirma Celso Santos, professor titular do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e um dos autores do estudo.
Segundo ele, a alta contagem de incêndios neste ano, no contexto de desmatamento reduzido, destaca um desacoplamento dos incêndios florestais em relação ao desmatamento. “De fato, os dados do TerraBrasilis mostram que apenas 19% dos incêndios estavam relacionados ao desmatamento recente, durante janeiro-junho de 2023, em comparação com 39%, em 2022”, conta o cientista brasileiro.
Condições climáticas mais quentes e secas resultantes do El Niño de 2023 já estão afetando partes da Amazônia e podem estar aumentando os incêndios, em conformidade com El Niños anteriores.
Pressões adicionais também podem estar impactando o aumento na incidência de incêndios. Entre essas pressões, destaca-se o impacto residual do aumento anterior no desmatamento, fenômeno esse associado à fiscalização ambiental enfraquecida, sob a administração do ex-presidente Bolsonaro. “Algumas áreas de floresta que foram mecanicamente cortadas nos últimos anos estão apenas agora se tornando secas o suficiente para queimar”, explica Santos.
O pesquisador da UFPB suspeita que os proprietários de terras podem estar queimando pastagens mais cedo, na estação seca, em antecipação a uma moratória ao fogo mais tarde, neste ano, esperada sob uma forte seca ligada ao El Niño.
“Embora pesquisas adicionais sejam necessárias para elucidar as contribuições desses fatores, uma clara expectativa emerge: a incidência de incêndios provavelmente se intensificará devido às antecipadas condições mais secas”, postula o professor, cuja experiência inclui uma passagem como professor associado no Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Ehime, no Japão.
Na avaliação dos pesquisadores, os incêndios ameaçam tanto os avanços reais na proteção florestal feitos pela administração do Lula 3, quanto representam uma segunda cominação: o enfraquecimento da percepção pública do compromisso de Lula em proteger a região.
Iniciativas de reflorestamento, bem como restauração ecológica, implementação de tecnologias de monitoramento mais eficazes e a crescente inclusão de comunidades locais e indígenas em estratégias de conservação são sinais positivos que acabam sendo sobrepostos por estas reais cortinas de fumaças e podem atenuar o engajamento internacional, em forma de acordos e financiamento para conservação, advertem os autores da pesquisa.
Cúpula do fogo
No mesmo artigo, os cientistas brasileiros e norte-americanos ressaltam que, em agosto deste ano, o Brasil convocou uma cúpula de nações amazônicas para tratar do desenvolvimento sustentável e da preservação florestal na região.
A Declaração de Belém, resultante da cúpula, estabeleceu muitos objetivos importantes. No entanto, ficou aquém de um forte compromisso de alcançar desmatamento zero até 2030 ou de reduzir substancialmente a frequência de incêndios florestais, na análise dos pesquisadores autores do estudo.
“Foi proposta uma iniciativa para melhorar o monitoramento, a gestão e a política, mas a cúpula subestima o potencial do fogo enquanto motor de perda florestal “descontrolada” e agente comprometedor dos ganhos ambientais”, diz Celso Santos.
No entanto, houve medidas positivas: firmamento de aliança importante contra o desmatamento; reconhecimento do fogo como um ponto de preocupação; destaque para as necessidades dos povos indígenas e das comunidades locais tradicionais; e introdução de um corpo científico, no estilo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que visa produzir soluções específicas para a Amazônia, baseadas em evidências científicas.
Esforços internacionais contundentes e coordenados para enfrentar essa ameaça crescente, com o objetivo de eliminar efetivamente os incêndios nas florestas tropicais, são urgentemente necessários, para os autores do trabalho científico.
“O futuro das florestas amazônicas, sob as mudanças climáticas, mesmo que o desmatamento ilegal possa ser completamente erradicado, permanece incerto sob as ameaças de mudanças climáticas, seca e incêndio”, advertem os cientistas brasileiros e norte-americanos.
“Ações de ciência e gestão, incluindo reflorestamento, manejo florestal e agrofloresta, serão necessárias para evitar o risco de incêndios florestais e degradação descontrolados, que estão desacoplados do desmatamento. O desenvolvimento dessas ações baseadas em evidências deve ser um foco deste ‘IPCC da Amazônia’”, defende Celso Santos.
Ele alerta também que as consequências da inação sobre os incêndios na Amazônia e da falta de atenção aos tipos e impulsionadores dos incêndios são graves e devem ser evitadas. “Isso inclui emissões consideráveis de carbono provenientes da queima de florestas e o enfraquecimento de um dos sumidouros de carbono mais críticos do mundo”.
Outras perdas, incluindo serviços ecossistêmicos que sustentam a diversidade biocultural e a bioeconomia da região e os efeitos de saúde pública da poluição por fumaça também podem prejudicar os meios de subsistência e o bem-estar dos povos indígenas e das comunidades locais, aumentando a mortalidade, morbidade e depressão humanas.
“O Brasil, outras nações da Amazônia e a comunidade internacional devem cooperar e comprometer o apoio necessário para avançar rapidamente na pesquisa e governança para um manejo de terras seguro contra incêndios e equitativo, enquanto contêm a perda florestal e transitam de um modelo econômico baseado em commodities para uma bioeconomia sustentável que beneficie todos os amazonenses e nações da Amazônia”, reivindicam os autores do artigo.
Gestão sustentável
A gestão sustentável da região amazônica é crucial para a mitigação das mudanças climáticas globais e para a preservação da diversidade biológica e cultural da área, porque regula o ciclo do carbono, um dos principais fatores envolvidos na mitigação das mudanças climáticas.
Celso Santos explica que o bioma amazônico é uma das maiores reservas de carbono terrestre do mundo, funcionando como um “sumidouro” que absorve grandes quantidades de dióxido de carbono. A degradação do bioma significa, na prática, liberação de carbono armazenado, exacerbando o aquecimento global.
“Adicionalmente, a Amazônia abriga uma diversidade biológica e cultural única, que é irrecuperável, uma vez perdida. Preservar essa diversidade é imperativo não apenas para o equilíbrio ecológico, mas também para o conhecimento científico e o bem-estar das comunidades locais”, reitera o pesquisador da UFPB.
Após uma redução promissora na degradação durante a década de 2010, um retorno aos níveis históricos de conversão de terra e desmatamento, nos últimos cinco anos, comprometeu gravemente esses objetivos. A conversão de terras é predominantemente resultado de três atividades principais: madeireiras, mineração e pecuária. Essas atividades têm consequências que se manifestam em diversas escalas, gerando impactos sociais, econômicos e ambientais.
Atividades madeireiras, de mineração e de pecuária têm fomentado a degradação ambiental na forma de desmatamento, perda de biodiversidade e contaminação de corpos d’água. Socialmente, essas atividades frequentemente resultam em deslocamento de comunidades indígenas e locais, além de fomentar conflitos fundiários.
“Economicamente, apesar de gerar receitas de curto prazo, essas atividades comprometem os serviços ecossistêmicos que sustentam a economia local e global a longo prazo, como regulação climática e serviços de polinização”, esclarece Santos.
Madeiras como o mogno e o ipê são frequentemente extraídas. Minérios como bauxita, ouro e ferro são abundantes e explorados em diversas regiões. Quanto à fauna, embora a exploração seja muitas vezes ilegal, espécies como pirarucu e tartaruga são alvo de pesca e caça para comércio.
Temor de sanções
Dados do TerraBrasilis indicam que 2023 já registrou uma queda nas taxas de desmatamento. Os alertas de desmatamento foram 42% menores entre janeiro e julho, em comparação com o mesmo período de 2022. Além disso, grandes operações ilegais de mineração, que ameaçam o ecossistema e as comunidades indígenas, particularmente no território Yanomami, estão sendo coibidas.
Essa diminuição no desmatamento segue as ações de política e fiscalização realizadas sob o governo brasileiro, desde que o presidente Lula assumiu, pela terceira vez, o cargo em janeiro de 2023, mais notavelmente a reativação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). No entanto, as causas imediatas dessa diminuição permanecem incertas.
Alguns analistas sugerem que o sentimento de impunidade para o desmatamento ilegal que se desenvolveu sob a administração do ex-presidente Bolsonaro foi substituído por um temor de sanções, sinalizado pela reativação do PPCDAm. Outros acreditam que a desaceleração representa uma pausa em que os atores responsáveis pelo desmatamento estão avaliando o novo cenário político.
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*Pedro Paz é jornalista e doutorando em Antropologia na UFPB
Foto: Agencia Brasil/ Banco de imagens públicas