Plenária realizada no tenda principal do Acampamento Terra Livre, em Brasília, reuniu lideranças dos povos originários e pesquisadores ambientais para discutir os impactos do setor energético nos territórios indígenas

Por Eraldo Paulino

“O Brasil quer nos próximo anos ser um dos principais exportadores de petróleo do mundo, mas essa exportação de petróleo pro mundo vai ser muito cara pra nós, povos indígenas”, pontuou Kretã Kaingang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), durante a plenária “Por uma transição energética justa para todos os povos, realizada na tarde de quarta, 09/04, como parte da programação do Acampamento Terra Livre (ATL) 2025.

Segundo Kretã, que também coordena a Articulação dos Povos Indígenas do Sul de Brasil (ARPINSUL), o governo Lula teve posicionamentos bastante progressistas nas últimas COPs, em defesa de uma transição energética, discurso que chega manchado após recentes posicionamentos do Palácio do Planalto.

O caso mais emblemático, recentemente, diz respeito à exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. Após o Ibama negar a licença ambiental à Petrobras, em maio de 2023, para fazer perfurações de pesquisa na área, alegando inconsistências técnicas, que incluiria falhas no Plano de Proteção à Fauna, por nítida pressão de congressistas da base do governo e por parte do governo, o presidente Lula deu declarações contundentes em defesa da liberação da pesquisa, inclusive com críticas ao Ibama.

O coordenador executivo da APIB, Kretã Kaingang, coordenador executivo da APIB (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

Para que esse posicionamento pareça menos contraditório em relação ao papel que o Itamarati ocupa no mundo, em defesa da transição energética e o fim da dependência de combustíveis fósseis no mundo, e após a ministra do meio ambiente, Marina Silva, divergir publicamente do ministro de minas e energias, Alexandre Silveira em relação ao tema, a Advocacia Geral da União (AGU) propôs a criação de uma Câmara de Negociação para resolver internamente tais atritos.

Contudo, durante a plenária, a APIB deu um recado muito nítido ao governo: “Todas as vezes que a consulta prévia aos povos indígenas for sobre exploração de gás e petróleo, a resposta deverá ser sempre não, porque eu não conheço país que tenha enriquecido com a exploração de petróleo e isso tenha enriquecido nossos povos”, negritou Kretã.

Transição energética vendida nas COPs pelo Brasil massacra povos indígenas

Segundo Luene Karipuna, liderança indígena do Oiapoque, no Amapá, um dos territórios mais ameaçados pela exploração de petróleo na foz do Amazonas, é preciso ter muito cuidado com a desinformação espalhada oficialmente pelo governo Lula sobre transição energética, pois, quando se trata do assunto “as opções pra essa transição são [usinas] eólicas, solar e hídrica. E hoje sabemos que os nossos territórios são onde são mais instaladas hidrelétricas que destroem nossos rios, que afetam nossos territórios e que destroem o meio ambiente”, enfatizou Luene.

Segundo ela, o maior exemplo de uma transição energética que esmaga a sabedoria ancestral, territórios sagrados, e comete ecocídio é a usina hidrelétrica Belo Monte, no Pará, que foi apontada como econômica e ambientalmente inviável pelo Ibama, para mais tarde o governo conseguir um novo estudo, condenado por cientistas, juristas e ambientalistas, e implementar o que nem o governo da Ditadura havia conseguido: barrar o rio em detrimento dos protestos dos povos do Xingu. Luene teme que um governo com grande adesão entre movimentos populares, inclusive indígenas, possa, assim como no caso de Belo Monte, favorecer a instalação de um empreendimento com bem menos resistência que enfrentaria um governo de direita.

“O presidente Lula ir para a COP 28 [defender o fim da matriz energética que utiliza combustíveis fósseis] para depois voltar e leiloar poços de petróleo na Amazônia é contraditório, sim. Nós não queremos exploração de petróleo em lugar nenhum. E a transição energética precisa ser pautada a partir da energia dos povos, a partir dos nossos conhecimentos tradicionais”, concluiu Luene.

Nicolle Figueroa, do Instituto Internacional Arayara, apresentou estudo que confirma a denúncia dos indígenas. No monitor Amazônia Livre de Petróleo há a constatação de que 230 terras indígenas estão na região de impacto do setor de energia existentes ou planejados. A cada 10 terras indígenas brasileiras, praticamente 3 são ameaçadas por algum projeto energético. “A gente tem 48 blocos de petróleo que estão sobrepostos a área de influência direta dos territórios indígenas”, informa Nicolle, que ameaçam 52 territórios dos parentes.

Durante a plenária, o Instituto Arayara apresentou dados sobre o impacto da produção de petroléo no país (Foto: Adison Ferreira/ Carta Amazônia)

Contra a legalização da destruição dos territórios indígenas, através da Lei 14.701/23

O líder Kaiowa, Daniel Lemes, reivindicou a revogação a Lei 14.701 de 2023, que passa a permitir a mineração, a pecuária e outros megaempreendimentos em terras indígenas. Questionada no STF como inconstitucional e por violar diversos tratados internacionais, a lei segue em vigor e todos os processos envolvendo o tema estão paralisados até que o supremo avalie o tema. Juristas alegam que a suspensão dos processos favorece muito mais o agronegócio e as mineradoras, que já invadiam esses territórios quando era ilegal.

“Nós temos que nos unir para que essa lei seja definitivamente enterrada, porque ameaça a dignidade, a vida de nossas crianças”, convoca Daniel. Segundo ele, a permissão do arrendamento dos territórios é criar segurança jurídica para os inimigos do meio ambiente e dos povos tradicionais.

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Foto de capa: Adison Ferreira/ Carta Amazônia

Esta reportagem foi produzida em parceria com com o Programa de Apoio ao Jornalismo (PAJor) do Repórteres Sem Fronteiras