Durante a Conferência Mundial do Clima, em Belém, o Governo Federal anunciou o reconhecimento de quatro Terras Indígenas e a delimitação, por portaria, de 10 novos territórios de povos originários.
Por Cecília Amorim
Durante painel na COP30, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, apresentou um panorama inédito sobre a retomada da política de demarcação no Brasil e reforçou a centralidade dos territórios indígenas no enfrentamento da crise climática. Em sua fala, ela destacou o avanço recente do governo Lula, após anos de paralisação das demarcações durante o governo Bolsonaro, e apontou que a COP30 marca a maior participação indígena da história das conferências do clima.
A ministra relembrou que desde na Eco-92, realizada no Brasil, o mundo reconheceu o papel dos povos indígenas na proteção ambiental, foi ali que o debate climático ganhou força global e que o mundo voltou os olhos para os territórios indígenas e para a urgência de proteger a Amazônia. Trinta anos depois, afirmou ela, essa trajetória se completa com a realização da primeira COP em território amazônico,
Sônia destacou que a COP30 já se tornou a edição com a maior participação indígena da história, tanto pela presença física nas áreas oficiais e eventos paralelos quanto pelo protagonismo das pautas levadas ao centro das negociações globais.
Segundo a ministra, a presença indígena ocupou todos os espaços: Zona Azul, Zona Verde, Cúpula dos Povos, Aldeia COP e inúmeros debates paralelos, reafirmando a centralidade dos povos originários no enfrentamento da crise climática. Ela lembrou que tanto o presidente Lula quanto o secretário-geral da ONU, António Guterres, mencionaram, em discursos oficiais, a importância dos territórios indígenas como mecanismo comprovado de mitigação climática, já que a ciência demonstra que essas áreas seguem sendo as mais preservadas do país, apesar das invasões e conflitos persistentes.

Durante o painel, Sônia Guajajara anunciou também um compromisso intergovernamental histórico firmado pelo governo brasileiro nesta semana de COP30: a proteção de 63 milhões de hectares de terras até 2030. Desse montante, 4 milhões de hectares estão sob a responsabilidade do Ministério da Igualdade Racial, enquanto 59 milhões ficam a cargo do Ministério dos Povos Indígenas, da Funai e do Ministério da Justiça.
A ministra afirmou que é fundamental transformar discursos em ações concretas, e, por isso, o governo anunciou um pacote territorial que inclui criação de novos Grupos Técnicos para estudos de demarcação, estabelecimento de novas Reservas Indígenas, publicação de relatórios de identificação e delimitação, portarias declaratórias e novas homologações assinadas pela Presidência da República.
Demarcação de Terras Indígenas no texto final da COP30
Guajajara ressaltou que todos esses atos já compõem o conjunto dos 59 milhões de hectares que devem ser protegidos nos próximos anos, e lembrou que o momento agora é decisivo: restam apenas algumas horas para que o Brasil e as organizações indígenas consigam garantir que a demarcação de terras indígenas seja incluída no texto final da COP30 como uma política climática reconhecida oficialmente. Para ela, essa é uma luta central, pois “a demarcação das terras indígenas é condição essencial para que exista justiça climática”, afirma.
A ministra também destacou a cooperação internacional construída entre a APIB, o governo brasileiro e o governo alemão, que deve resultar em uma nova instância tripartite para fortalecer políticas de proteção territorial e retomar instrumentos como o TPFF, agora acompanhado de novos aportes financeiros — incluindo um fundo de 5,5 bilhões de dólares e acordos firmados recentemente com o FUBIL para a implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PENEGAT).
Encerrando sua fala, Sônia Guajajara afirmou que cada avanço anunciado na COP30 reforça a responsabilidade, o compromisso e o protagonismo indígena no enfrentamento da crise climática. “Seguimos com passos firmes, dia após dia. Somos nós, povos indígenas, os maiores guardiões da biodiversidade, da floresta, dos territórios e da vida”, declarou.
Demarcações retomadas: 20 Terras Indígenas homologadas desde 2023
Após quatro anos de paralisação total no governo Bolsonaro, período em que nenhuma Terra Indígena foi homologada, o governo Lula retomou a agenda demarcatória com resultados concretos. De 2023 a 2025, foram 20 Terras Indígenas homologadas, sendo: 6 homologações em 2023, nos primeiros meses do novo governo; 10 homologações ao longo de 2024, período marcado pela reorganização de processos represados; 4 homologações em novembro de 2025, anunciadas durante a COP30, elevando o total para 20. Nos primeiros dois governos de Lula (2003 – 2010) foram demarcadas 78 Terras indígenas.
Guajajara reforçou, durante o painel, que a retomada dos processos demarcatórios representa não apenas um avanço político, mas uma reparação histórica. Entre 2019 e 2022, no governo Bolsonaro, todos os processos de demarcação foram congelados enquanto invasões, garimpo ilegal e ataques a lideranças indígenas atingiram patamares recordes.
“Chegamos a zero homologações. Zero”, destacou a ministra. “Hoje estamos reconstruindo políticas públicas destruídas por um projeto explícito de desmantelamento territorial”.
Esses avanços acontecem em um contexto de forte disputa política, especialmente após a tentativa de aprovação do Marco Temporal, tese defendida pela bancada ruralista que previa restringir a demarcação apenas às terras ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988. A proposta desconsidera expulsões históricas, deslocamentos forçados e violências cometidas ao longo de décadas, além de estimular invasões, grilagem e ataques a lideranças.
Por isso, a luta dos povos indígenas contra o Marco Temporal tornou-se símbolo da defesa constitucional dos territórios e do enfrentamento à violência territorial. Para o movimento indígena, a queda da tese no Supremo e a retomada das demarcações pelo atual governo representam não apenas uma vitória jurídica, mas um passo fundamental para garantir vida, floresta e clima: “Demarcar é proteger”, reafirmou a ministra.
Essas homologações representam a última etapa do processo de demarcação e garantem a proteção definitiva de territórios reivindicados há décadas pelos indígenas.
Mais avanços: portarias declaratórias e estudos em andamento anunciados na COP
Além das homologações, o governo também reativou etapas anteriores do processo demarcatório, divulgou metas ambientais e parceiras de financiamento:
- 11 portarias declaratórias emitidas em 2024, reconhecendo oficialmente o usufruto exclusivo das terras pelos povos indígenas e avançando processos que estavam completamente parados desde 2016.
- Mais de 30 Grupos Técnicos (GTs) criados pela Funai para realizar estudos antropológicos, fundiários e ambientais, necessários para novas identificações territoriais.
- Compromisso de 63 milhões de hectares protegidos até 2030;
- 4 milhões de hectares de territórios quilombolas, sob responsabilidade do Ministério da Igualdade Racial;
- 59 milhões de hectares de terras indígenas, sob responsabilidade do MPI, Funai e Ministério da Justiça.
- Um fundo de US$ 5,5 bilhões para proteção territorial;
- apoio à implementação da PENEGAT;
- Fortalecimento do Plano de Proteção Territorial (PPT).
Após décadas de luta, o movimento indígena conseguiu colocar o tema da demarcação no centro da agenda global. Para a ministra, “a demarcação de Terras Indígenas é uma política climática. É condição essencial para garantir justiça climática e proteger a biodiversidade”.
O governo brasileiro tenta agora garantir que essa visão seja incorporada ao texto oficial de decisões da COP30. Guajajara encerrou sua fala no painel lembrando que cada conquista anunciada na COP30 é fruto de décadas de resistência dos povos indígenas:
“Seguimos com passos firmes. Cada terra demarcada é floresta em pé, é clima protegido. E somos nós, povos indígenas, que seguimos guardando a vida, a biodiversidade e o futuro”.
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Foto de capa: Divulgação/MPI
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