Mulheres indígenas reivindicam protagonismo nos debates da agenda de enfrentamento às mudanças climáticas
Por Rudja Santos
A COP30 ainda não terminou, mas um movimento já se destaca com força dentro da conferência: a presença ativa, articulada e diversificada das mulheres indígenas. Em painéis, plenárias paralelas, manifestações, ações de incidência e na própria área de eventos autogestionados, elas vêm conduzindo discussões que partem do território e se expandem para temas como saúde, comunicação, juventude, saberes tradicionais, economia da floresta e enfrentamento à crise climática.
A multiplicidade de agendas e experiências compartilhadas ao longo da semana mostra que a participação das mulheres indígenas não é acessória: é central. Suas falas revelam as urgências que atravessam seus corpos e territórios, mas também apontam caminhos concretos para políticas públicas e estratégias de adaptação climática.
“É na média e alta complexidade que nossas parentes morrem”

Entre as denúncias mais contundentes feitas até agora na COP30 está a da líder Mônica Guajajara, que expôs falhas estruturais no atendimento de saúde para mulheres indígenas. “A atenção básica é diferenciada. O problema é que, quando chega na média e alta complexidade, essa diferenciação desaparece — e é onde nossas parentes morrem, pela demora no início do tratamento”. Ela citou casos de mulheres que viajaram dias em busca de exames especializados, enfrentando deslocamentos, longos, caros e muitas vezes frustrados pela falta de estrutura ou pela burocracia.
Com quase 1,7 milhão de indígenas no Brasil, segundo o último Censo (2002), o gargalo da média e alta complexidade atinge de forma intensa mulheres que vivem em áreas urbanas, aldeadas, ribeirinhas ou em regiões de difícil acesso. “Muitas morreram esperando a resposta do sistema”, disse Mônica, reforçando que comunicadores indígenas têm produzido reportagens e podcasts para romper esse silêncio histórico.
Falando sobre o mesmo tema, Olga Macuxi, de Roraima, apresentou remédios preparados por mulheres da região — xarope de cupim, pomadas de limão e babosa, entre outros. “Isso aqui salvou no tempo da COVID-19”, contou, levantando um frasco artesanal. Mas a crise climática também ameaça esse saber. As alterações no regime das chuvas, a perda de biodiversidade e o avanço de queimadas e invasões reduzem o acesso a plantas e materiais fundamentais para a produção de remédios.
Além dos remédios, Olga exibiu artesanatos produzidos com sementes da floresta. “Temos que mostrar o que as mulheres estão fazendo”, disse, lembrando que o artesanato é fonte de renda, afirmação cultural e autonomia.
Mulheres na gestão territorial e ambiental
A participação indígena na COP30 também tem fortalecido a discussão sobre comunicação. Na mesa sobre a atuação da Defensoria Pública da União, Auricélia Arapiun lembrou a ocupação da Seduc, em 2025, no Pará, quando comunicadores indígenas romperam bloqueios informativos. “A gente venceu a guerra de narrativas. Mostramos que o governador não é dono do Pará, nem da verdade”.

Segundo ela, jornalistas foram impedidos de cobrir a ação, e o sindicato da categoria precisou acionar a Justiça para garantir o direito ao trabalho. “Comunicar hoje é também um ato de coragem”, afirmou, defendendo o fortalecimento das redes de comunicadores da COIAB e da APIB.
Com a enorme diversidade de povos e línguas do Brasil — centenas de etnias e quase 300 línguas registradas —, a participação das mulheres em conselhos técnicos e espaços de governança ambiental representa mais do que um avanço institucional: é a entrada de múltiplas perspectivas de conservação, manejo e justiça ambiental.
A cúpula global de mulheres e juventudes Indígenas protetoras do território: saberes, urgências e conexões internacionais
Paralelamente às atividades gerais da COP30, a cúpula global de mulheres e juventudes Indígenas protetoras do território reuniu mulheres de países como México, Canadá, Rússia, Índia, Bolívia, Colômbia, Chile e África do Sul, para compartilhar experiências e estratégias próprias frente à crise climática. Uma jovem indígena sul-americana explicou a relação entre território, juventude e conhecimento: “Fizemos os territórios e tudo o que tem nessa terra — a água, os bosques, a natureza, os corpos que habitam esses territórios. E nós, como jovens que tivemos a oportunidade de aprender ferramentas ocidentais, usamos essas ferramentas para cuidar também”.
Uma das participantes destacou a sabedoria ancestral das mulheres como elemento central para ler o clima e proteger a vida: “Falar de mulheres é forte e doloroso. Minhas avós sempre diziam: ‘O vento está correndo de baixo para cima, talvez vá cair granizo’. Elas conhecem. São sábias. Às vezes me chega uma impotência quando querem desconhecer nosso povo e nosso conhecimento”.
Ela também denunciou a destruição de mananciais e a negligência governamental: “Muitos governantes se esquecem da água. Quem cuida somos nós. Nossos avós, sem ser engenheiros, sabiam proteger os lagos. Hoje tantos profissionais as destroem”.
No mesmo espaço, a artesã Artemisia Munduruku relatou as dificuldades crescentes para encontrar as sementes usadas em brincos e artesanatos: tucumã, tucum, coroca, najá. “Tudo vem da floresta. Por isso a gente protege. Porque tudo aqui é vida”.A representante da Inspired Women’s Organisation (IWO), instituição com sede no continente africano e que oferece assistência jurídica, educação e programas de empoderamento, apresentou a perspectiva das mulheres indígenas africanas na defesa de seus direitos: “Nossa missão é garantir o empoderamento, o reconhecimento e o avanço das mulheres indígenas marginalizadas. A resiliência sempre foi uma arte de vida indígena: não é só recuperar-se, mas adaptar-se sem perder quem somos”.

Presença e resistência
A COP30 continua, e as mulheres indígenas seguem ocupando, propondo e pressionando. Até aqui, suas contribuições revelam um conjunto amplo de ações e denúncias: a exposição das violações persistentes em saúde, água e território; as práticas concretas de medicina tradicional e manejo da floresta; o fortalecimento da comunicação como instrumento político; a participação crescente das juventudes; a construção de alianças internacionais entre mulheres de diferentes povos; e a elaboração coletiva de diagnósticos e caminhos possíveis para enfrentar a crise climática.
Mais do que presença simbólica, elas constroem estratégias, narrativas e soluções — e deixam claro que não há futuro climático possível sem os conhecimentos, a liderança e a voz das mulheres indígenas.
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Foto de capa: Ahmad Jarrah
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