Por Adison Ferreira

Físico especializado em mudanças climáticas e pesquisador do Instituto ClimaInfo, Shigueo Watanabe Junior é uma das principais referências brasileiras em estudos sobre redução e mitigação da emissão de gases que provocam o aquecimento global. Em entrevista ao podcast Carta Amazônia, o cientista destaca a importância da regulamentação do mercado de carbono e alerta sobre as especulações milionárias envolvendo as negociações de créditos de CO² no Brasil.

Existe uma frase muito conhecida e repetida sobre o mercado de crédito de carbono brasileiro que diz que: ‘O Brasil é a Arabia Saudita do carbono’. Essa frase não é verdadeira. E há uma perversidade grande nela”, ressalta Shigueo.

A frase que o pesquisador se refere foi dita por Luís Felipe Adaime, criador da Moss, a primeira bolsa de carbono do país. Adaime afirmou que “O Brasil é a Arabia Saudita do carbono.”

Shigueo explica que o grande potencial que o Brasil possui atualmente em relação aos mercados voluntários de carbono está concentrado nos projetos de proteção florestal.

“O volume de crédito de carbono que esses projetos ganham são proporcionais ao risco de desmatamento que tem na região. Se eu vou para uma região que nem a Cabeça do Cachorro, no Amazonas, onde a ameaça de desmatamento é pequena, uma dada área vai ganhar poucos créditos de carbono. Se eu vou para o sul do Pará, onde o desmatamento corre solto, o volume de créditos de carbono que eu vou ganhar vai ser muito maior. A perversidade então é o seguinte: se eu definir uma política que eu vou depender das receitas desses créditos de carbono, significa que o desmatamento tem que continuar alto. Se eu combater o desmatamento e terminar o desmatamento, esses projetos deixam de receber créditos de carbono. Então, não. O Brasil não vai virar um Arábia Saudita, a menos que a gente continue destruindo a floresta”, esclarece.

 Em junho deste ano, durante uma audiência pública no Senado sobre a regulamentação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), Watanabe afirmou que o desaparecimento do mercado de carbono, nos próximos anos, será a maior prova que esse mercado deu certo.

“Se eu consegui reduzir o aquecimento global, se eu consegui controlar o aquecimento global, esse mercado se torna desnecessário. Então, ele é um mercado que ele é criado com um objetivo explícito de desparecer um dia. É isso que eu quero que ele faça. Então, nesse sentido esse mercado é muito diferente de qualquer outro mercado que normalmente a gente discute na economia. Tem gente que vai ganhar dinheiro nesse mercado, tem gente que vai perder dinheiro, tem. Esse não é o principal. O principal é: precisamos reduzir as emissões globais”.

O pesquisador do Instituto ClimaInfo é um dos entrevistados da 15ª edição do podcast Carta Amazônia, projeto do site Carta Amazônia, produzido com o apoio da ONG Repórteres Sem fronteiras. O programa também recebe o pesquisador Eufran Ferreira do Amaral, doutor em Agronomia e ex-secretário de meio ambiente do Acre.

Entre os principais assuntos abordados no episódio estão a regulamentação do mercado de CO², o alerta sobre as mudanças climáticas, a especulação financeira e os conflitos agrários gerados por projetos de carbono na região amazônica. A 15ª edição do Carta Amazônia está disponível no Youtube e no seu tocador preferido de podcast.