Por Adison Ferreira
Lembro como se fosse hoje. Era uma manhã de inverno amazônico. Aproveitava cada dia das férias de janeiro na casa do meu avô. Tinha acabado de completar nove anos e começava a fazer as primeiras manobras mais arriscadas na bicicleta dele. A emoção de andar de bicicleta com as mãos soltas do guidão era maravilhosa, sentia uma liberdade sem tamanho. Isso até um dia em que caí e bati a boca no chão rochoso bem em frente de casa. E o pior, bem em frente ao meu avô.
A dor foi grande. Minha boca sangrando e eu chorando desesperadamente, pela dor e pela surra que certamente levaria. Parecia que o mundo iria acabar naquele momento quando meu avô me pegou pelos braços e com uma voz autoritária pediu para eu engolir o choro. “Homem que é homem não chora, ouviu rapaz! Você é homem e, portanto, jamais deve chorar. Jamais!”, concluiu.
O susto e o medo da bronca dele foram um remédio. E antes que ele concluísse a última palavra minhas lágrimas desapareceram, quase que instantaneamente. Sob ameaças de um militar aposentado, prometi a ele que nunca mais iria chorar. O episódio ficou sendo um segredo só nosso. Um segredo que guardei até o dia de sua morte.
Todos as vezes que sentia um prenúncio de choro lembrava das palavras do meu avô e meu sistema lacrimal sofria um bloqueio. Isso durou uns três anos, mais precisamente até o dia da morte dele. Ninguém entendia por que eu era a única pessoa que não chorava durante o velório. Todos sabiam o quanto eu era apegado nele e quando me perguntavam por que eu não estava chorando, sempre respondia “porque homem não chora”.
“Isso é bobagem meu filho. Todos os três filhos homens do seu avô estão chorando. Por que esconder seu sentimento?”, dizia minha mãe. Mas ela não entendia. Não sabia da promessa que eu fiz. Jurei olhando para os olhos do meu avô. Disse que jamais iria chorar novamente. E assim fiz, cumprindo à risca o meu juramento.
Poucas horas antes do enterro, minha vó me chamou num cantinho da casa e me entregou uma carta deixada por ele. Disse que com aquele tumulto quase esquecera de me entregar e que o meu avô fez a carta há mais de um ano e recomendou que o documento fosse entregue no dia em que ele morresse. “Leia a carta lá no quarto do seu avô. Isso é um diálogo só entre vocês dois”, aconselhou minha vó.
A carta começava com um pedido de perdão. Ele dizia que só os homens imbecis não choram e que só falou aquilo para mim porque queria que eu parasse de fazer artes com a bicicleta, pois não queria me ver machucado. Assim que acabei de ler a carta e saí do quarto o enterro já havia seguido. As lágrimas retornaram. Mas já não havia mais o corpo dele ali. E eu perdi a chance de chorar pela última vez na presença do meu avô, nem que fosse apenas na presença de um corpo sem vida.
_______________________________
Foto: Acervo Adobe Express