Após um ano da morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, a região do Vale do Javari, no Amazonas, ainda vive sob insegurança. O assunto é o tema do documentário Vale dos Isolados: O Assassinato de Bruno e Dom, lançado na última sexta-feira (2), na Globoplay. O filme, que retrata as investigações em torno do caso que ganhou repercussão internacional e o trabalho que as vítimas desenvolveram junto aos povos originários, é fruto de um consórcio de 16 veículos de imprensa do mundo todo. Os jornalistas ouviram lideranças indígenas, amigos de Bruno e Dom, autoridades e pescadores ilegais durante 100 dias.
A produção traz material exclusivo, como o momento em que a equipe da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) encontra uma série de objetos pertencentes a Bruno e Dom que não haviam sido localizados pela polícia na época do crime – entre eles, um celular de Bruno que continha as últimas imagens conhecidas dele e de Dom.
Uma das fotos foi registrada durante a tarde do dia 3 de junho de 2022, há exatamente um ano. Nela é possível observar que Dom Philips conversava com um morador local em Ladário, a vila ribeirinha onde cresceu um dos acusados do crime, Amarildo da Costa de Oliveira.
Além do celular de Bruno, diversos itens pertencentes às vítimas foram encontrados durante a busca da Univaja. Entre eles dois cadernos em espiral de Dom, que submersos na água todo esse tempo já estavam ilegíveis, e o seu cartão de imprensa. Muitas outras imagens no celular de Bruno foram recuperadas pela Polícia Federal, após os indígenas terem encontrado o aparelho.
Continuação do trabalho interrompido
Dirigido pela jornalista Sônia Bridi, com direção de fotografia de Paulo Zero e roteiro de Cristine Kist, o documentário foi selecionado como parte do “Forbidden Stories”, um projeto com o objetivo de continuar o trabalho de jornalistas assassinados pelo mundo no exercício de suas funções.
O filme mostra que o assassinato do indigenista e do jornalista foi em parte consequência de uma negligência histórica do Estado. “Muitos brancos foram para aquela região numa época em que a ‘ocupação’ da Amazônia era incentivada pelo governo, o que resultou numa série de conflitos entre esses brancos e os povos originários que já viviam lá. Ao longo das últimas décadas, houve vários massacres de indígenas isolados e a maioria sequer foi investigada “, destaca Cristine Kist.
O longa-metragem também retrata que há indícios do envolvimento de parentes dos assassinos de Bruno e Dom em pelo menos dois desses massacres. “Nós também encontramos no nosso acervo uma gravação feita há mais de 20 anos com a família do Pelado, que é um dos assassinos, em que a mãe dele conta que as famílias que moravam na região tinham medo dos indígenas “, afirma a roteirista.
Apesar de o documentário ter sido a sua primeira incursão no Vale do Javari, Sônia Bridi conta que conhecia o trabalho de Bruno na região. Ela manteve contato com ele por telefone, quando foi fazer uma matéria na terra Guajajara. Na época, Bruno era coordenador de indígenas isolados da Funai.
“A ideia do documentário surgiu quando eles foram mortos, por causa das desinformações sobre o que é o Vale do Javari, o que acontece lá, o que é estar dentro e fora da área (demarcada). Por que o Bruno não estava com o apoio da Funai no momento em que foi assassinado? Tem muita coisa ali que podíamos tentar jogar um pouco de luz, principalmente nesse trabalho do Bruno com os isolados”, explica a jornalista.
Projeto Dom e Bruno
O Forbidden Stories nasceu em 2015, motivado pelo atentado ao semanário Charles Hebdo, em Paris, que deixou 12 vítimas fatais.
A inspiração foi uma iniciativa de 38 jornalistas de 28 veículos de imprensa nos EUA, que se uniram para completar uma investigação sobre fraude de terras conduzida pelo repórter Dan Bolles depois de seu assassinato.
O Projeto Dom e Bruno está reunindo grandes meios de comunicação internacionais como The Guardian, Der Spiegel e Le Monde, nacionais como TV Globo e Folha de S.Paulo e independentes como Repórter Brasil, Amazônia Real e Ojo Publico, além de organizações como The Bureau of Investigative Jornalismo e Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
As reportagens começaram a ser veiculadas no dia 1º de junho, cinco dias antes de a morte de Dom Philips e Bruno Pereira completar um ano.