Apesar de ser um direito constitucional, a liberdade de expressão ainda é um direito cerceado no Brasil. Sobretudo se for para questionar o modelo econômico vigente.
OPINIÃO
Por Eraldo Paulino
Liberdade de expressão é um direito garantido pela Constituição de 1988, mas ele não é absoluto, como nenhum direito é. Em tempos de tanta desinformação disseminada nos celulares, é realmente imperativo refletir sobre esse tema. Mas para não cair na tentação de falar sobre isso como se fosse um problema que iniciou nas eleições de 2018, talvez seja pertinente falar sobre uma desinformação que circula sem qualquer controle nas mensagens por aplicativo de celular, mas também em jornais impressos, nas rádios, nas TVs, nos aplicativos de vídeo, por libras e em todas as mídias e formas de comunicação que existem no Brasil: A previdência pública é deficitária.
Foi justamente na tão citada Constituição de 1988 que foram unificadas a previdência social, a saúde e a assistência social num sistema chamado de seguridade social, com mecanismos de financiamento público para que a única fonte de arrecadação não fosse dos tributos previdenciários advindos dos trabalhadores. Além dessa fonte, a seguridade é financiada por tributos como Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), COFINS, imposto de importação de bens e serviços, imposto sobre operações de crédito, impostos advindos de jogos de azar e loteria e muitos outros. De forma absolutamente justa e correta, toda a sociedade, em qualquer compra na padaria ou em uma fezinha na lotomania banca a previdência.
Na verdade, todos os anos cerca de 300 bilhões de reais são retirados da previdência social através de uma coisa chamada de Desvinculação das Receitas da União (DRU). Desde o governo Temer, em 2016, o governo federal aumentou de 20% para 30% o tamanho da fatia do recurso retirado da seguridade anualmente. Não por acaso, a partir de 2016 a seguridade passou a deixar de ser superavitária, uma vez que o governo não só abocanhara uma fatia maior da seguridade, como começou a isentar diversos setores econômicos de pagar o INSS – maldade que só em 2025 começa a ser corrigida gradualmente.
Além disso, o governo Temer fez a reforma trabalhista, que, somado à criação do chamado Microempreendedor Individual (MEI) no governo Lula, e uma intensa campanha de desinformação nas redes sociais, temos hoje um cenário de discriminação de quem é CLT. Em pesquisa divulgada pelo Datafolha no primeiro semestre, 59% dos brasileiros e das brasileiras acima dos 16 anos declararam preferir trabalhar por conta própria à CLT. Mas a mesma pesquisa revela que a ampla maioria de pessoas com baixa renda e mulheres ainda preferem ter carteira assinada. Pessoas essas que, após o grave desmonte da seguridade, dificilmente terão direito à aposentadoria digna.
Imaginando que o cenário de desmonte da previdência não vai mudar nos próximos anos, e que o acesso à aposentadoria com rendimentos mais justos tende a ser cada vez mais difícil, não só para quem trabalha em regime de CLT, mas para quem é servidor público estável (que tem a maior parte dos provimentos advindos de “penduricalhos” e não na remuneração que conta para a aposentadoria), nós corremos o risco de ter, como é previsto, a quinta população mais idosa do mundo a partir de 2030 com rendas cada vez mais baixas. Quantas dessas pessoas que hoje são MEI vão conseguir pagar uma previdência privada ou criar um negócio que, de fato, garantirão o sustento de si e da família na idade de se aposentar?
Somar isso aos fatos de que a tendência é que uma reforma administrativa se avizinha compõem um grande pacote de crueldades, alimentadas pelas tradicionais e novas mídias, com narrativas hegemônicas, ainda que mentirosas ou com conteúdos desinformativos, que tendem a excluir pessoas idosas e com deficiência que não estejam num seio familiar abastado. Enquanto isso, periodicamente a gente vê o Banco Central divulgar através dos grandes canais de comunicação a variação taxa Selic sem explicar que, a cada 1% aumentado nela, significa mais R$ 40 bilhões com dívida pública. Dívida essa que, constitucionalmente, deveria ser auditada, mas não é. Então, todos os anos, 43% do que arrecadamos vão para os bolsos dos banqueiros, e a cada crise econômica, são os bolsos do trabalhador, das pessoas idosas, das pessoas com deficiências que pagam a conta da crise que não criaram. É no direito delas que mexem, para que esses mesmos bancos tenham lucro assegurado.
O economiquês desinformativo
A falta de regulação da grande mídia, das redes sociais, contribui, portanto, para que os mais cruéis limites infringidos da liberdade de expressão não sejam coibidos, muito menos punidos. Na hora de esconder as crueldades do sistema econômico, do capitalismo financeiro, valem o economiquês desinformativo, a falta de espaço para o contraditório, para um ponto de vista divergente. Se a gente vive uma vida baseada só nas informações que majoritariamente circulam nos zaps dos idosos, nas rádios, no YouTube, na TV, o capitalismo que tira dinheiro da seguridade e pune os idosos da classe trabalhadora não tem nada de errado, tampouco contraponto.
Que bom, aliás, que hoje mais vozes dissonantes podem ser ouvidas, graças às novas tecnologias. Contudo, não nos iludamos. A gente não podia competir com um megas conglomerados de comunicação distribuindo panfletos. Não podemos hoje, também, competir com os algoritmos porque podemos postar para mil seguidores que o capitalismo é ruim. A liberdade de se expressar ainda é um direito cerceado. Sobretudo se for para questionar o modelo econômico vigente.
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Foto de capa: Reprodução/ Carta Amazônia
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