Entrevista ao podcast Carta Amazônia, o pesquisador Eufran Ferreira do Amaral fala sobre a regulamentação do mercado de carbono e os conflitos agrários gerados pela comercialização de CO² na região amazônica
Por Adison Ferreira
O aumento das discussões sobre financiamento climático e transição para uma economia de baixo carbono tem levado os estados da Amazônia Brasileira a intensificarem as negociações de créditos de carbono.
Em 2022, durante a 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP27, esses esforços ficaram evidentes. Os governos do Amazonas e do Pará assinaram uma carta de intenções junto à Coalizão LEAF, sigla em inglês que significa Diminuindo as Emissões ao Acelerar o Financiamento Florestal. Um fundo de investimentos internacional bilionário para impulsionar as negociações de créditos de carbono com alto valor agregado.
Outro exemplo de estado amazônico que tem avançado com negociações de créditos de carbono é o Acre. O estado é pioneiro em políticas de REDD+, sigla que significa Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal.
O REDD+ é um incentivo desenvolvido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de Redução de Emissões de gases de efeito estufa originados do Desmatamento e da Degradação florestal. Esse incentivo prioriza o papel da conservação de estoques de carbono florestal, manejo sustentável de florestas e aumento de estoques de carbono florestal.
As especulações sobre o mercado de redução CO² e os efeitos positivos e negativos provocados pelas negociações de créditos de carbono na região amazônica são o tema da 15ª edição do podcast Carta Amazônia. Em entrevista ao programa, o pesquisador Eufran Ferreira do Amaral, doutor em Agronomia e ex-secretário de meio ambiente do Acre. falou sobre a regulamentação do mercado de carbono e os conflitos agrários gerados pela comercialização de CO² na região amazônica.
C.A: Qual o principal objetivo do mercado de créditos de carbono e quem são os principais beneficiados desse sistema?
Eufran Amaral: O objetivo principal, no final de tudo, o que a gente quer é contribuir com as condições ambientais do planeta. O objetivo é fazer com que o planeta possa, de fato, ter condições ambientais melhores. Então, se a gente tem um problema de superaquecimento do planeta, desmatamento acelerado, que contribui, de fato, para isso, ao fazer a redução do desmatamento, ao fazer plantio, quer seja de agrofloresta, quer seja em monocultivo, que seja integração lavoura, pecuária, floresta a gente está diminuindo a quantidade de C02 na atmosfera. Com isso, a gente reduz os efeitos dessa camada que envolve a terra, que a gente chama de efeito estufa e que faz com que se tenha mais C02 eu vou aquecendo cada vez mais o planeta. Com isso contribui para que a gente possa reduzir esses efeitos. O que a gente quer é isso: ter condições melhores que a gente tem ou pelo menos que a gente mantenha essas condições. Quem é o principal beneficiário dessa situação? Somos nós. Sou eu aqui, vocês, todos os habitantes do planeta terra. Principalmente, diretamente, quem está, de fato, conservando essa floresta. Então quem são os primeiros beneficiários? Indígenas, extrativistas, quilombolas, ribeirinhos, produtores, quer sejam eles produtores familiares, grandes e médios produtores, ou seja, todos que tenham uma relação direta com a terra. E no nosso caso aqui, todos os amazônidas pode ser beneficiados diretos. Quer seja os amazônidas que vivem nas cidades, quer seja os amazônidas que vivem na floresta, em harmonia com a floresta ou tem uma relação direta com a floresta.
C.A: E como está a regulamentação do mercado de carbono no Brasil atualmente?
Eufran Amaral: A gente vem avançado há passos lentos. O último grande avanço que a gente teve foi na COP de Paris, que teve o acordo de Paris, que a gente avançou um pouquinho na regulamentação com relação aos aspectos globais. Então, a gente tem avançado há passos lentos porque isso não é um consenso entre os países. Então, hoje o que funciona é muito mais é o mercado voluntario, ou seja, aquele em que há disposição pra pagar, quer seja de um investidor, quer seja de uma grande empresa, quer seja de um governo, e há disposição de vender. Então, os dois se integram num arranjo do mercado que a gente chama de mercado voluntário. De um lado, eu tenho o beneficiário, vamos dizer que é o indígena, e de outro eu tenho o investidor e eles se ligam voluntariamente. Essa regulamentação é o que a gente chama de mercado regulatório, onde os países estabelecem suas metas. Quais são as metas que a gente tem de redução? E aí, a partir dessas metas de redução se estabelece quais seriam as cotas. Então, entre essas comercializações de cotas, quem reduz pode comercializar para quem superou. E no balanço, ninguém pode ficar emitindo mais do que devia. No Brasil a gente vem também avançando, ainda há passos lentos do que nós queríamos, do que nós sonhamos, mas o mercado brasileiro de carbono tem avançado. Tem alguns marcos jurídicos que já tem, tem um sistema nacional de monitoramento de Redd, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, que é o que olha essa parte de regulamentação. Tem um Projeto de Lei em avanço esse ano já avançou com algumas regulamentações específicas com relação a floresta pública. E em alguns estados avançaram mais ainda. Por exemplo, aqui no Acre, já em 2010, nós tínhamos a primeira lei de um estado a estabelecer um sistema estadual de incentivos aos serviços ambientais. Isso permite com que, sendo o Brasil uma federação e os estados tendo autonomia administrativa, jurídica, a estabelecerem esses marcos. Então, é importante que os estados da Amazônia tenham esse protagonismo. Então, o Acre avançou. Hoje o estado do Pará tem trabalhado no seu sistema estadual. O estado do Amazonas também tem avançado. O estado do Mato Grosso. Então tem iniciativas em unidades da federação que permitem já avançar no que a gente chama de um sistema jurisdicional, ou seja, um sistema em que a jurisdição, nesse caso o estado, estabelece as suas regras e permite avançar de forma mais integra com relação aos projetos de carbono nessas regiões.
C.A: Segundo reportagem do site Nexo, o interesse pelo mercado de carbono tem gerado diversos conflitos agrários no Acre. Quais os conflitos que o comércio de carbono pode gerar nesses territórios?
Eufran Amaral: Um dos problemas que pode advir de um projeto de carbono são justamente os conflitos. Esses projetos que potencializam esse campo de conflito basicamente é o quê? Um grande produtor, ele estabelece um projeto de carbono. E vamos imaginar que eu sou um grande produtor, fiz o projeto. e vocês do Carta Amazônia são posseiros nessa área. Eles vivem ali de longas datas. E ao fazer o projeto eu não consulto vocês. Eu faço o projeto e digo que esse projeto é meu, mas vocês vivem lá há 50 anos. E aí o que vai acontecer? Um conflito de interesses. Ao mesmo tempo que vocês vão trabalhando num processo de conservação daquela floresta, o produtor, o grande produtor, que tinha o domínio e a posse daquela área, que tem a documentação. Vamos imaginar que ela tenha a regularização fundiária, ele não fez isso com vocês. E o que que vai acontecer? Uma situação de conflito. Porque só ele está recebendo benefício. E vocês que estão contribuindo diretamente para a conservação não recebem benefício. Esse é uma situação de conflito que pode ser criado. A outra é que eu, sendo grande produtor, estabeleço um projeto de Redd+, um projeto de crédito de carbono baseado em conservação numa zona de amortecimento de uma terra indígena, por exemplo. Só que ao fazer o projeto eu não consultei, por exemplo, a FUNAI, nem consultei aos nossos irmãos índios que eu ia fazer esse projeto, embora o meu projeto seja de conservação. Mas, por direito, todos que estão no entorno do meu projeto deveriam ser ouvidos. Então esse pode ser um caso em que o meu projeto, o objetivo é conservação, o território indígena é para conservação, mas por não ter havido uma comunicação eficiente, quem está de um lado entende que aquele projeto não é bom. E o terceiro conflito é quando se, por exemplo, tem um inverso. Um território indígena decide fazer um projeto de conservação, um projeto de crédito de carbono, mas ele também não conversa com seu entorno. E aí eu tenho produtores, eu tenho projeto de conservação aqui, do outro lado produtores rurais e eles não se conversam. De fato, um projeto ao ser estabelecido ele pode criar uma série de conflitos se não tiver uma comunicação horizontal. E se, de fato também, repartição dos benefícios em todos os envolvidos diretamente num processo de conservação.
C.A: Entre os especialistas que falam sobre esse comércio há muitas falas divergentes. Alguns defendem que essa é uma solução para reduzir a poluição, conter as mudanças climáticas e frear o desmatamento na Amazônia. Outros alertam que a medida não vai contribuir para resolver os problemas ambientais da Amazônia. Qual a sua avaliação sobre esses dois posicionamentos?
Eufran Amaral: A gente não pode reduzir a floresta amazônica a carbono. A floresta é gente, são pessoas que ali vivem. Se a gente quer conservar a gente tem que começar a pensar a floresta como pessoas. Isso muda muita coisa. Essa questão dos conflitos é extremamente importante. Por isso que é importante que os estados tenham protagonismo nesses processos. Muitos estados deixam a coisa acontecer. O mercado está aí, né?! A diferença entre o remédio e o veneno é só a dosagem. Uma coisa muito boa pode se transformar num veneno se você usar muito. Mas pode ser um bom remédio para curar uma doença se for usado na dose certa. E o mercado de carbono pode ser isso. Se a gente, de fato, não tiver o que a gente chama das salvaguardas, não tiver esse processo de comunicação, não tiver um processo de monitoramento, a gente vai ter um problema maior do que a gente tem hoje. E a grande questão que paira sobre esse tema é a desinformação. As pessoas não conhecem sobre o que estão falando ou tem uma visão parcial. Isso é muito ruim.
C.A: E como garantir que quem possui a propriedade/posse legítima e direito de uso do território, no caso das comunidades tradicionais, realmente receba os recursos da comercialização dos créditos de carbono geradas por esse tipo de projeto?
Eufran Amaral: Essa é a questão crucial desse processo. Porque um projeto de carbono, ele não vai ser efetivo, não vai ser eficiente, se ele não chegar na ponta. Por isso que é extremamente importante, primeiro, no nível das comunidades, que elas tenham um processo de formação, de educação, de informação. Por isso que ferramenta como a de vocês são extremamente importante porque chegam em todo lugar para que as pessoas tenham conhecimento sobre o que é um projeto, como ele pode ajudar, quais são os riscos, quais são os problemas que eles podem enfrentar. Então, o primeiro passo é comunicação, informação, a boa informação deve chegar em todos. Segundo passo: que os estados e municípios, como unidades da federação tenham seus sistemas, tenham nas suas secretarias de meio ambiente ou o domínio sobre sistemas estaduais de sistemas ambientais ou pontos focais que possam fazer essa ligação rapidamente com o governo, porque o governo, através do Ministério do Meio Ambiente é a instituição que vem harmonizando esses diversos sistemas. Então nós temos que ter, de fato, esse processo andando. O outro é que o Brasil avance com o seu processo de regulamentação, porque ao ter regras claras a gente avança não só no mercado voluntário, mas também no mercado regulatório. Então, são várias questões. Desde esse processo de formação, regulamentações municipais, estaduais, avanço na regulamentação federal. E que, de fato, as pessoas que queiram investir em projeto de carbono tenham a consciência de quem um projeto de carbono, ele, de fato, vai ser um bom projeto de carbono se ele se pautar no benefício na ponta de quem vive da floresta, vive na floresta ou em harmonia com a floresta. Aí a gente começa a mudar.
O podcast das multivozes
O podcast Carta Amazônia é um projeto do site Carta Amazônia, produzido com o apoio da ONG Repórteres Sem fronteiras. Nesta 15ª edição, além da entrevista com o pesquisador Eufram Ferreira do Amaral, o programa também conversou com Shigueo Watanabe Junior, físico especializado em mudanças climáticas e pesquisador do Instituto ClimaInfo. O episódio completo está disponível no Youtube e no seu tocador preferido de podcast.