Documento propõe novos modelos de governança e exalta os saberes ancestrais, mas evita menções diretas à transição energética.

A segunda carta da presidência brasileira da COP30, divulgada nesta quinta-feira (8), propõe novas estruturas de mobilização internacional rumo à conferência de Belém (novembro de 2025). Em vez de anúncios técnicos, o documento aposta em uma proposta diplomático-narrativa ousada, centrada em quatro “Círculos de Liderança” e no conceito de “mutirão global”.


Algumas dessas estruturas já estão em ação. É o caso do Círculo de Ministros de Finanças, liderado por Fernando Haddad, com foco em destravar o financiamento climático. A equipe técnica por trás dessa frente esteve diretamente envolvida no G20 em 2024, articulando a proposta de reforma dos bancos multilaterais e a criação de uma força-tarefa climática. A meta é viabilizar o chamado Roteiro Baku–Belém para alavancar US$ 1,3 trilhão em financiamento climático de fontes diversas. Reuniões recentes entre os BRICS, além do diálogo crescente entre os governos do Brasil e de Barbados — protagonista global neste tema —, reforçam essa ambição.


Outro grupo que já se mobiliza é o Círculo das Presidências de COP, sob liderança de Laurent Fabius, que esteve à frente da COP21 que gerou o Acordo de Paris. Segundo a carta, o círculo terá o papel de um conselho, reunindo os presidentes das COPs dos últimos dez anos — e, segundo fontes, deve ampliar o escopo para consultar lideranças anteriores — para fortalecer a governança climática e preservar o legado das conferências.
 

Os outros dois círculos se voltam à sociedade. O Círculo Global dos Povos, presidido pela ministra Sônia Guajajara, pretende escutar e dialogar com povos indígenas, afrodescendentes e comunidades tradicionais. Já o Círculo Ético, sob liderança da ministra Marina Silva, envolverá artistas, intelectuais e lideranças religiosas de todo o mundo numa mobilização moral e cultural contra a crise climática.
 

Na prática, os círculos funcionam como zonas de inteligência paralela. Embora evite uma crítica direta, a carta sugere que o modelo atual de governança climática — fragmentado, hierárquico e lento — já não responde à urgência da crise. A solução proposta é descentralização, ação concreta e articulação fora dos canais diplomáticos tradicionais: uma crítica implícita à lógica das promessas não cumpridas que tem marcado o regime da Convenção de Clima (UNFCCC).
 

O elefante ausente: e os fósseis?
 

Apesar do tom mobilizador, a carta evita qualquer menção a energia, transição energética ou combustíveis fósseis. O silêncio é significativo: o parágrafo 28 do Global Stocktake (COP28/Dubai) que trata da redução progressiva dos fósseis é considerado central por parte da sociedade civil e de diversos países — especialmente diante da crescente pressão por um cronograma global de eliminação do petróleo, gás e carvão.
 

No Brasil, essa omissão preocupa. A Petrobras, sem plano de transição pós-petróleo, mira a Amazônia como nova fronteira de exploração. Ignorar esse tema compromete a coerência da narrativa de liderança climática que o país deseja construir.

Questionado em entrevista coletiva, Corrêa do Lago reconheceu que não se pode falar em implementação sem abordar os combustíveis fósseis. “A floresta vai ser protagonista, mas não pode ocupar o espaço do verdadeiro problema — e o verdadeiro problema são as energias fósseis”, disse.
 

A ausência de uma abordagem mais direta sobre a transição energética também enfraquece o debate sobre o financiamento necessário para viabilizá-la. É notável que a carta não mencione os recursos que devem ser mobilizados — inclusive pelas próprias petroleiras e grandes emissores — para garantir que países e comunidades possam abandonar a dependência dos fósseis. O conceito do “Mutirão Global” aposta na descentralização das soluções, mas falha em reconhecer as responsabilidades diferenciadas entre governos, grandes empresas e a sociedade civil. A ideia de ação coletiva é inspiradora, mas precisa ser acompanhada de meios de implementação concretos e uma ênfase clara de que os maiores poluidores devem liderar — e financiar — essa transformação.
 

Por outro lado, a carta corrige lacunas da comunicação anterior ao incorporar referências explícitas ao papel de povos indígenas, tradicionais e afrodescendentes. O reconhecimento do valor dos saberes ancestrais ao lado da ciência aparece como um avanço importante — especialmente simbólico para uma COP sediada na Amazônia.
 

André Corrêa do Lago, Presidente da COP30, disse (em coletiva embargada no dia 7 de maio):

“Para implementar o que foi acordado no Acordo de Paris e na UNFCCC, precisamos de uma abordagem muito mais integrada de governo — e os ministérios da Fazenda são, obviamente, o melhor instrumento para isso.” […] “A dimensão econômica da luta contra a mudança do clima é uma das questões centrais da COP30.”
 

“Os governos não podem se considerar os únicos a terem o controle sobre a implementação do Acordo de Paris. A maior parte das respostas depende de empresas, cidades, universidades e comunidades.” […] “A estrutura atual foi feita para negociar. Mas agora a urgência climática exige ação — e o sistema multilateral, do jeito que está, não tem força para entregar.”
 

Ana Toni, diretora executiva da COP30, disse: (em coletiva embargada no dia 7 de maio):

“A carta é um chamado para enxergar o clima como um sistema complexo. A governança precisa refletir essa complexidade — e não ficar presa a modelos lineares que já não funcionam.” […] “Essa transição climática já começou, ela é inevitável — e está sendo liderada por atores que muitas vezes nem entram na sala de negociação.”

“O balanço ético trata de olhar para os princípios que guiam nosso comportamento — como eleitores, consumidores, empresas — quando lidamos com a mudança do clima. Não se trata apenas de ciência e dados, mas de valores e do tipo de mundo que queremos construir juntos.”

Leia aqui a segunda carta da presidência brasileira da COP30

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Isabela Castilho/ COP30 Amazônia

Com informações do Instituto ClimaInfo