Segundo a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará, desde 2018 o Incra no Pará não conclui nenhum processo de titulação de territórios quilombolas no estado

Lideranças quilombolas do Pará publicaram, nesta quarta-feira (24), uma nota pública de denúncia contra a postura negligente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na garantia do direito territorial das comunidades quilombolas do estado. No documento, assinado pela Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), as lideranças exigem uma reestruturação completa das Superintendências Regionais de Santarém (SR-30) e Belém (SR-1), incluindo a exoneração do superintendente de Santarém, José Maria Melo, e a contratação de equipe técnica adequada e suficiente para dar andamento aos processos de titulação.

A nota conta com a assinatura de 30 associações quilombolas paraenses e organizações parceiras, entre elas a Terra de Direitos. Confira a nota completa aqui.

Segundo a Malungu, desde 2018 o Incra no Pará não conclui nenhum processo de titulação de territórios quilombolas. Em Santarém, onde há apenas um território parcialmente titulado – o Quilombo Pérola do Maicá –, a Superintendência do órgão conta com apenas uma servidora responsável pelos 19 processos abertos de pedido de titulação, 84% deles datados de mais de 18 anos. “Esse cenário escancara o descaso da atual gestão da SR-30/Incra para com os direitos das comunidades quilombolas”, afirma a nota.

Douglas Sena, coordenador regional da Malungu no Baixo Amazonas – região onde se encontram as comunidades quilombolas atendidas pela SR-30 – reforça a posição expressa na nota pela reestruturação da Superintendência de Santarém.

“Nós temos avaliado que a Superintendência do Incra em Santarém tem tido uma atuação ineficiente e quase inexistente, no sentido de que temos um decreto que cria as diretorias quilombolas dentro da SR-30, e até hoje essa divisão quilombola não foi instituída de fato e de direito, porque falta comando da gestão do Incra em direcionar funcionários para compor essa diretoria. Faltam também chegar as pessoas que passaram no concurso público unificado, para completar o quadro de funcionários do Incra.”

Na Regional de Belém (SR-1), há 53 processos abertos, sendo 29 em fase inicial há 20 anos, aguardando a ida a campo do Incra. A presença do órgão nos territórios é fundamental para elaboração e publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), documento central no processo de regularização quilombola. O RTID define a área reivindicada como quilombo, com base em informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas e antropológicas.

Um levantamento realizado pela Terra de Direitos em 2024, estima que, mantido o ritmo atual, serão necessários 2.708 anos para titular todos os 1.857 quilombos do país com processos abertos no Incra. Enquanto os territórios não são titulados, os quilombolas enfrentam inúmeros prejuízos e riscos.

“Enquanto a regularização não acontece, as áreas quilombolas permanecem vulneráveis à invasão de fazendeiros, garimpeiros e posseiros, além do avanço de grandes projetos”, destaca a nota.

De acordo com a pesquisa Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil, elaborada pela Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e Terra de Direitos, entre 2018 e 2022, 65% dos assassinatos de quilombolas aconteceram em territórios não titulados – nos quilombos sem título, 70% dos assassinatos foram motivados por conflitos fundiários.

Exoneração do Superintendente José Maria Melo

A reivindicação por uma reestruturação do Incra no Pará não é recente. Lideranças dos territórios com processos abertos no órgão fundiário, organizações parceiras – como a Terra de Direitos – e o Ministério Público Federal participam regularmente de reuniões ordinárias com o Incra, as chamadas mesas quilombolas, em que se debate o andamento dos processos de titulação.

Selma Corrêa, assessora jurídica da Terra de Direitos, aponta que mesmo com esse mecanismo de diálogo e acompanhamento do Incra, as titulações continuam paralisadas pela falta de estrutura do órgão federal. “Apesar da realização periódica das mesas quilombolas, não há avanço prático na titulação dos territórios por ausência de recursos humanos e financeiros para realizar os trabalhos necessários, enquanto isso os territórios seguem enfrentando uma série de desafios, como o avanço do agronegócio, a expansão portuária, ausência de políticas públicas e insegurança jurídica quanto as suas terras pois grande parte delas ainda permanece nas mãos de fazendeiros e posseiros”.

Para Douglas Sena, a exoneração do atual Superintendente, José Maria Melo, é fundamental para o andamento dos processos de titulação no Pará. “Nós avaliamos que algumas decisões para o funcionamento da SR-30 precisam de iniciativa de gestão – e isso a gente não está tendo por parte do superintendente do Incra em Santarém. Precisamos ter um superintendente que entenda de fato do assunto, que seja técnico, que consiga dialogar também politicamente com o movimento quilombola”, ressaltou.

CONAQ se retira da Mesa Nacional Quilombola 

Além das reivindicações dos quilombolas paraenses, ao final da Mesa Nacional Quilombola a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) informou, por meio de suas redes sociais, a saída do espaço de diálogo do Incra.

A decisão ocorreu pela falta de representantes do Governo Federal que pudessem decidir e dar encaminhamentos concretos às demandas dos territórios quilombolas. O Presidente do Incra, César Aldrighi, não compareceu.

Em nota publicada em seu site, a Conaq afirmou estar aberta ao diálogo e pediu uma agenda com o presidente da República, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e outros ministérios envolvidos na agenda quilombola. “A complexidade e a gravidade das questões enfrentadas pelos quilombos demandam a participação efetiva e compromissada de outros ministérios e órgãos federais, com poder de decisão e capacidade de estabelecer e cumprir compromissos concretos”, aponta o documento.

“É a 18ª reunião que a gente vem para colocar nossos lamentos para nós mesmos porque quem, de fato, tem o poder da caneta não se faz presente para não se comprometer com a causa quilombola. Então diante disso não há mesa e todos os quilombolas do Brasil se retiram nesse momento”, declarou Maria Rosalina, coordenadora executiva da CONAQ.

_______________________

Com informações da assessoria de comunicação da Malungu

Foto de capa: Thaiane Miranda/CONAQ