Manifestação chega ao 16º dia sem negociação.  Lideranças reivindicam a revogação da lei que inviabiliza educação presencial nas aldeias do Pará

Por Eraldo Paulino

Após finalmente reunir com os indígenas que ocupam a Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC) há 15 dias, o governador Helder Barbalho só conseguiu respostas públicas que desconstroem a narrativa falaciosa que a comunicação do governo tentou criar para gerenciar a maior crise de imagem que o mandatário enfrenta, desde que assumiu o Palácio dos Despachos, em 2018. Os 40 indígenas que participaram do evento, na noite de terça, 28/01, no Palácio do Governo, reforçaram por quase quatro horas que não aceitam discutir apenas a educação indígena, e querem a revogação da Lei 10.820/24 e exoneração do secretário Rossieli Soares.

Após grande repercussão negativa que alcançou proporções internacionais, a gestão barbalhista tentou, na opinião dos indígenas, dividir o movimento, focando apenas em uma das críticas dos manifestantes, que foi anular as leis que regulamentavam o Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME) e a divisão deste voltada para os povos indígenas (SOMEI), que, segundo o texto sancionado, seriam então regulamentados novamente, desta vez por decreto. Além disso, a lei reduziu a gratificação de 50% para valores fixos, provocando um dos retrocessos que culminaram na greve dos profissionais da rede pública estadual e na ocupação.

Manifestação contou com o apoio de diversos movimentos sociais e sindicais do Pará (Foto: Eraldo Paulino)

Assim, o Governo do Pará publicou decreto criando um GT formado por representantes do governo e dos povos indígenas para discutir a nova política de educação estadual indígena, que contou inicialmente com representantes da Federação dos Povos Indígenas do Pará (FEPIPA), cuja direção é acusada pelos ocupantes da SEDUC de ser aliada do governo. A estratégia da gestão Helder, porém, não decolou, continuou sofrendo duras críticas nas redes sociais, e se expôs ao desgaste de precisar ouvir das lideranças indígenas que, ao contrário do que a estratégia de desinformação criada pelo governo afirma, não são manipulados pelo Sindicato dos Trabalhadoras e Trabalhadores em Educação Pública do Pará (Sintepp), ou por qualquer partido, e que a pauta que seguem defendendo é a revogação da Lei 10.820 e a exoneração de Rossieli.

“Ele (o governador Helder Barbalho) continua com aquele mesmo discurso de que quer resolver a questão da educação somente indígena, mas não se atenta que na nossa aldeia de comunidade tem professores não indígenas que trabalham em escola também, que nas nossas comunidades têm escolas não indígenas. Então isso vai afetar a nossa educação e educação no Pará inteiro”, pontua Cristian Arapiun, comunicador indígena que esteve na reunião, que também contou com a presença da ministra Sônia Guajajara, e ainda assim, tanto a comunicação indígena como toda a imprensa local foi impedida de registrar a conversa. Quem entrou, precisou deixar o celular do lado de fora da sala.

O cacique Dadá Borari reforçou a decepção dos indígenas com a falta de disposição do governador em debater com os indígenas a pauta que reivindicam de forma integral, e não apenas com foco na educação indígena. Ele é um dos que denunciam essa estratégia governista como equivocada, pois o governo pode garantir maioria no GT criado para elaboração da política de educação indígena, e moldá-la à própria vontade. Vale lembrar, também, que houve um corte de 85%¨para a educação indígena na LOA 2025, em relação a de 2024. “Como ele não quis isso (negociar a revogação da referida lei e a exoneração de Rossieli), a gente viu que é uma face dele que está para os povos indígenas e aí resolvemos sair sem acordo.”, concluiu Dadá.

A Ocupação segue fortalecida. Recentemente, o povo Tembé chegou para engrossar as fileiras, o mesmo da Secretária dos Povos Indígenas do Pará, Puyr Tembé. Além deles, povos quilombolas também já estão na ocupação, que é reforçada por um acampamento montado pelo Sintepp em frente à SEDUC, em apoio e solidariedade aos ocupantes. Se você quer contribuir com a ocupação, pode fazer uma doação via pix, para ajudar nas despesas:



PIX PARA APOIO:
07106314000112
CITA – Coop Sicredi Grandes Rios

Autoritarismo dos Barbalho

Desde as 14h estava montado um aparato militar digno do clássico  RExPA (Remo e Paysandu) de final de campeonato paraense no entorno do Palácio dos Despachos, com os dois sentidos da avenida Almirante Barroso, a principal de Belém, interrompidos por barreiras policiais por três quarteirões. A PM também bloqueou um quarteirão no sentido da avenida Doutor Freitas, interligada com o viaduto. Isso tudo para receber 40 indígenas para uma reunião, e cerca de 300 manifestantes, entre docentes e povos tradicionais que ficaram no local desde 15h, primeiro horário agendado, até 22h30, hora aproximada do fim da reunião.

Apoiadores da manifestação se concentraram em frente ao Palácio do Governo (Foto: Mariana de Castro / Brasil de Fato)

Os indígenas chegaram a publicar um comunicado em suas redes sociais avisando que só iriam à reunião se o governo retirasse o aparato policial das ruas, o que não foi feito, embora tenha havido desobstrução parcial das vias. Max Costa, cientista político e jornalista, que também é diretor do Sindicato dos Jornalistas, analisa o autoritarismo que, segundo ele, fica cada dia mais escancarado do governo Barbalho. “Desde o início eles (os povos originários que ocupam a SEDUC) têm reiterado que não querem debater apenas a educação indígena com o governo, que desde o primeiro momento se dispôs a dialogar com os movimentos”, argumenta Max.

Segundo ele, Helder Barbalho é um governante que desde o primeiro mandato tem procurado silenciar opositores, sejam políticos, movimentos sociais, partidos e comunidades tradicionais, especialmente no atual contexto em que tem como aliados a maioria da bancada no Congresso Federal, na ALEPA, nas câmaras municipais, nas prefeituras, além de ter mãe deputada, pai senador, irmão ministro, primo prefeito da capital. Tudo isso, segundo o Max, corrobora para o autoritarismo desta gestão. “Por exemplo, nós jornalistas fomos impedidos de entrar na ocupação, e só conseguimos acesso após uma liminar da justiça. Impediu novamente nosso trabalho durante essa reunião, então esse é o modus operandi da família”, concluiu.

Greve fortalecida, governo desgastado

Desde o início da greve da rede estadual de educação, o governo tem divulgado posicionamentos negando a legitimidade do movimento paredista e do Sintepp, tentando focar apenas na questão indígena, como sinal de fumaça para não debater a forma como a Lei 10.820/24 foi aprovada sem qualquer debate, provocando vários retrocessos na carreira e na rotina de trabalho da categoria. Após o insucesso da reunião com os indígenas em querer manter o desvio de foco, o governo divulgou nota afirmando que está aberto ao diálogo com os indígenas e também com os grevistas.

Lideranças reivindicam a revogação da Lei 10.820 e a exoneração do titular da Seduc  (Foto: Mariana de Castro / Brasil de Fato)

Na opinião de Mateus Ferreira, diretor do Sintepp, a forma como o governo começou a tratar o movimento dos profissionais da educação só demonstra a disposição de Helder em passar por cima de qualquer crítica ou de qualquer adversário político. “O governo tem tentado ignorar o nosso movimento, mas nós iniciamos a greve muito forte. Vocês podem frequentar a maioria das escolas, que não está havendo aula, os alunos não estão indo. Muitos deles já reconhecem a importância do movimento grevista. E o governo segue nessa linha de autoritarismo, de querer desqualificar a nossa luta, o nosso movimento”, lamenta.

Assembleia do Sintepp que aprovou ontem a continuidade da greve (Foto: Eraldo Paulino)

Os principais retrocessos denunciados pelo Sintepp, pelos indígenas e quilombolas acampados são que a lei:

·         Anula a progressão automática, condicionando estas a disponibilidades orçamentárias e dispositivos meritocráticos que serão definidas pela gestão vigente;

·         Retira o Sintepp da Comissão Permanente de Avaliação da Educação no estado;

·         Reduz a gratificação de professores da educação especial;

·         Reduz a gratificação do SOME.

COP e o Cavalo de Tróia

Além dos profissionais da educação, servidores da Secretaria do Meio Ambiente do Pará (SEMAS), do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio), Secretaria de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster) já realizam ou agendam manifestações e/ ou ameaçam grevar. Os indígenas já disseram que, caso o governo não recue, irão fechar portos, aeroportos e rodoviárias, impedindo a realização da COP 30. O governador que tanto quis usar o evento da ONU que debate a crise climática como vitrine, parece ter virado vidraça para ser quebrada por servidores que amargam sucateamentos, arrochos salariais e falta de diálogo com um governo que se gaba de bater recordes de arrecadação.

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Foto de capa: Amarilis Marisa / Tapajós de Fato